Conto Erótico - Um casamento por vingança - Capítulos 19 e 20
Um Casamento por Vingança 🤵👰
Capítulo 19
MAITÊ (Duas semanas depois)
Uma avalanche caiu sobre a minha família, o que deixou meu coração em frangalhos. Meu pai tem ficado mais tempo aqui que o de costume, na
tentativa de administrar esse escândalo e o linchamento público a que vem sendo submetido. O grande problema é que ele está indo contra todos os manuais de gestão de crises.João Guerra não assume que tentou ajudar Jonatan, naquela noite,
enquanto a entrevista da tal enfermeira Linda, que confirma isso e dá outros detalhes sórdidos, está em todos os canais de comunicação da região. Já o aconselhei a postar, em suas redes sociais, um depoimento e assumir que tentou proteger o rapaz, explicar que foi um ato de amor e pedir desculpas ao povo por isso.Só que, mais uma vez, minha família prefere varrer a questão para debaixo do tapete. Eu, minha mãe e Maria Alice queremos que ele assuma,mas meus tios José e Ana não querem que ele confesse, pois acham que isso irá prejudicá-lo mais ainda. Assim, há um impasse na família. Como prescreveu , ele não responde mais à Justiça. Mas irá responder aos tribunais inquisidores da opinião pública.A cada dia, o nome dele tem sido atacado, das maneiras mais vis,
pelos adversários políticos e pelos Rosa Bezerra. O namoro de Teodoro é Júlia passou a sofrer mais pressão para que seja rompido. Tio Zé e meu pai
exigem isso dele, inclusive, acusam o pai de Júlia, Deodato, de estar financiando essa tal de Linda.— Meu pai quer que eu nunca mais veja Téo, disse que estou sendo humilhada e que não vai admitir que eu passe por isso. Só que eu e Téo não temos culpa de termos nascido nessas famílias que parecem ter estacionado no tempo — desabafa Júlia para mim e Carlinha enquanto almoçamos juntas.— Eu sei, Júlia, também não consigo entender esse ódio entre meu avô e o coronel Sarapião, imagina compreender como esse sentimento vem
atravessando gerações. Você e Téo têm todo o direito de namorarem e escolherem o que é melhor para vocês. Acredito que essa pressão deva
diminuir depois.Júlia é uma moça adorável, uns dois anos mais nova que eu e um pouco mais alta. Usa um corte moderno nos cabelos escuros, o que lhe dá umar tanto jovial como contemporâneo.
Nós nos conhecemos há algum tempo. Costumávamos sair juntas quando vivíamos em Salvador, mas acabamos nos afastando quando
retornamos para o Vale. Júlia mora em Brejo Negro, onde está trabalhando num consultório odontológico.Ah, Julinha, me desculpe e, com todo respeito a você, mas por Teodoro eu enfrentava todo o exército russo, que dirá esse povo atrasado
daqui do Vale! Não, não, não permita. Viva o seu amor, lute — diz Carlinha.Nós gargalhamos.— Ih, Carlinha, você não é filha de Deodato, que joga na minha cara cada centavo que gastou com meus estudos. Mas a minha história com Téo é antiga e agora não vou desistir dele.— Hum, como sei, mas pensei realmente que vocês tinham se esquecido — comento. Téo costumava ir para nossa casa, em Salvador, só para encontrar Júlia. — Até perguntei por você algumas vezes, mas ele despistava.— Combinamos assim, desculpe, Maitê. Nós estávamos namorando escondido — Júlia confessa. — Tínhamos alugado um cafofo para nos encontrar no povoado de Serrão, mas meu pai nos pegou lá.Carlinha quase se engasga. Minha garfada também não desce bem e embola no estômago.— Imagino a cara de seu Deodato — Carlinha teatraliza. — Quando Foi isso?— Não faz ideia do escândalo que ele deu, foi uns dois meses atrás —explica Júlia.— Mais, gente, de onde vem essa briga entre os Guerra Cruz e Os Rosa Bezerra realmente? — pergunta Ana Carla. — Que antiquado ainda sustentar isso...— Ninguém sabe ao certo — comento e tenho a sensação de estar,levemente, suando frio. Tenho tentado fazer minha avó, Sinhá, contar o que sabe. Mas ela só me enrola. Enfim, coloquei na cabeça que vou descobrir o motivo. E vou mesmo, Maitê, sou teimosa e só vou sossegar quando souber o que aconteceu no passado — assegura Júlia.Júlia comenta sobre alguns desentendimentos, ao longo das décadas,que envolveram o meu avô Sifrônio Guerra Cruz e o avô dela, Sarapião Rosa Bezerra, e outros desentendimentos envolvendo meu pai, meus tios, o pai dela e um tio.— Eles eram amigos, até irem para guerra — rememora Júlia. —Algo aconteceu lá, quando eles integravam as Forças Expedicionárias
Brasileiras. Meu avô e o coronel Sifrônio eram como irmãos e estiveram juntos nas conquistas das comunas de Monte Castello e Montese.
— Meu avô não gostava de falar desse período, de quando esteve na guerra — acrescento.— Tem gente que diz que a briga foi por dona Sinhá — pontua Carlinha. — Muita gente acha isso — concorda Júlia. — Mas ela nega.Mudando de assunto, Maitê, como vai a vida de casada? Foi muito corajosa,amiga.Sorrimos.— Fui realmente e sem contar que minha família também foi contra,
embora Otto não seja um Rosa Bezerra — pilherio.
— Ih, Júlia, por Otto, Maitezinha atravessa a muralha da China de joelhos! — Carlinha também tenta fazer graça e Júlia sorri.— Seguirei o seu exemplo, Maitê, que escolheu o homem que quis e enfrentou a família — constata Júlia. — Eu e Téo só vamos romper se a relação não der certo.— Nem acredito que, em pleno século XXI, pais querem apitar sobre namoros de filhos adultos — pontuo. — Se dependesse de minha família, me casaria com Davi.— Me desculpe, amiga, e iria sofrer com traições, pois ele tem um envolvimento de longa data com a Lívia — diz Júlia.— Sempre soube, mas nunca me importei — confesso.— Ih! Davi é esquisito, porque, desde que Maitezinha se firmou com Otto, ele me procura para se lamentar por ela. Age como se tivesse perdido o amor de sua vida — confidencia Carlinha.— Infelizmente, Davi tem a mentalidade tacanha de tantos outros da região, que pensam que há mulheres para casar e outras só para a cama —constato.Neste instante, um rapaz para diante de nossa mesa e me encara
raivosamente. Paramos de conversar e o observamos. Ele aponta para mim:— Mas não é a filha do deputado traidor do povo do Vale dos
Segredos? Seu pai é um criminoso, um ladrão! — o homem acusa. —Mandou matar o Dudu da Noitada!— Meu Deus! — É tudo que consigo dizer baixinho. Agora meu pai virou mandante. Os boatos não param de crescer.Algumas pessoas o mandam calar a boca e o segurança o convida
para sair do restaurante.
OTTO
Já atendi o último paciente do dia. Fiz revisões e analisei exames para o agendamento de cirurgias eletivas. Assinei as últimas papeladas
digitalmente e, nesse momento, recolho meu notebook e guardo na mochila.Finalmente, confrontei Magali, que me evitava há quase duas
semanas.— Por que entregou conversas nossas no aplicativo para o filho da puta do Davi Albuquerque?— Não tenho que lhe dar satisfações — ela respondeu, pomposa.— Tem sim, tem a ver com a minha privacidade — aleguei. — Quer
levar um processo nas fuças, Mag? Então faça isso de novo...— Ah, Otto, havia um boato sobre nós dois, as pessoas sabiam. Davi queria saber se ainda saía contigo, então, para provar que não, mostrei as mensagens — ela respondeu, cínica, e levantou os ombros.Tive vontade de lhe dar umas sacudidas.— O que mais ele quis saber? — insisti.
— Não se preocupe, não falei nada sobre as suas loucas pesquisas por prontuários antigos — Mag disse num tom insinuativo.— Fique à vontade para contar — blefei.— Podemos negociar isso — ela se insinuou e piscou para mim.Desconversei sobre as investidas da Magali. É uma sonsa mesmo.Penso em dar um pulinho na academia, mas logo desisto. Higienizo as mãos no lavabo da sala e saio. Quando atravesso a recepção, constato que o
tempo vai fechar. Aqui na região, como tem muita mata, as chuvas são constantes nesta época do ano.Nunca fui tão caseiro em toda minha vida e tenho um motivo especial para isso, Maria Teresa. Sei que, ao chegar em casa, vou encontrá-la linda e
cheirosa me esperando, com um sorriso cúmplice e ingênuo. Sei também que ela vai me cercar de atenção e carinho.Sou um sujeito completamente apaixonado. Quero aproveitar todos os momentos possíveis ao lado dela, porque temo perdê-la. Sei, sou um filho da puta, mas diante de Maitê não passo de um cãozinho vira-lata chorão e mijão.
Agi como um grande cretino, mas estou disposto a me redimir por ela. Só não sei como vou conseguir.
Juro. Acredite em mim.É verdade que demorei a aceitar esse amor, mas me encantei por ela
desde que demos o primeiro beijo. Aos poucos, ela foi derretendo as minhas defesas, ocupando o meu coração, meu corpo, mente e alma. Quando me dei
conta, já a amava, mas não quis admitir de cara. O sentimento foi crescendo até se tornar mais importante que a vingança que arquitetei contra a famíliadela.Sim, Maitê se tornou mais importante do que qualquer outra demanda. O nosso amor nasceu do ódio. Aos poucos, ofuscou a minha
amargura, espalhou-se lentamente, tomou os meus pensamentos e coração sem que me a percebesse . Em seu sorriso, encontrei um conforto, a sua
ingenuidade me ofereceu confiança e, quando me dei conta, já estava aamando.Saio apressado em direção ao estacionamento.Comecei a mudar aos poucos. Passei a sorrir mais, beber menos.
Deixei de fumar e me arriscar irresponsavelmente pelas estradas. Tudo isso não foi nada pensado. Aconteceu aos poucos, à medida que fui me
envolvendo com ela.— Mário Otto! — Há muito tempo que ninguém me chama pelo primeiro nome. Reconheço aquele timbre de voz. Gelo e me viro nessadireção.Nesta guerra, estou diante do fogo cruzado. De um lado, a perspectiva de ser descoberto por Maitê, do outro, a pressão para dar prosseguimento àvingança.Marion se aproxima.
— Combinamos de você não aparecer aqui, não foi? — digo num tom duro.— Deu para ignorar as minhas mensagens e não atender às minhas
ligações. — Ela abre os braços. — Precisava falar contigo — desdenha ela.Aproximo-me de meu carro e o abro. Marion entra no banco do carona. Respiro fundo e me preparo para as cobranças.— Não precisa mais esconder quem é, Otto. Está mais do que na hora daqueles abutres descobrirem que é o viúvo de Milena Borges.Encosto-me no banco e a fito.— Estamos alcançando nossos objetivos, Marion. João Guerra está sendo destruído pela mídia e pela opinião pública. Esse sempre foi o meu desejo. Quis que a merda que ele provocou fosse de conhecimento público e isso aconteceu. Porque não concordo que tantas pessoas acreditem nesse homem enquanto ele esconde algo dessa envergadura. Ele é deputado desde
aquela época, representa o povo, recebe dinheiro público, praticou um crime e não foi punido.— Aliviou o discurso, cunhado? — Marion comenta com ironia e atropelo a sua fala.— Se soubesse, desde o início, que ele chamou Milena para atender
Jonatan às escondidas, teria lutado para ele ser punido pela Justiça. —Estreito o olhar. — Deixou esse crime prescrever, Marion, pra depois me contar. Por quê? — imprimo um tom desconfiado.
— Já disse, Otto, eu só soube há pouco mais de dois anos sobre essa tentativa do canalha de acobertar o crime de Jonatan.— Jonatan morreu na clínica, você trabalhava lá. Ele deu entrada já morto no hospital, horas depois do tiro, após descobrirem o acidente De Milena — repito, com raiva. — Se tivesse ido ao hospital de imediato, talvez o rapaz tivesse chance de sobreviver. — Só não entendo o porquê.Esconderam o rapaz para ele não ser preso? E ele acaba morto. Acho que você sabe a verdade.— Otto! Nem venha resgatar esses detalhes do passado, que nenhum de nós dois conhece a verdade completa de como aconteceu, naquela noite.— Marion sobe o tom. — No fundo, já entendi, está enrabichado pela filhado demônio e não vai executar as partes dos nossos planos que envolvem essa mulher. Você se rendeu aos Guerra Cruz, Otto, não está sendo forte! — ela se exalta.
Bato no volante.— Quer saber da verdade, Marion? — Meu coração retumba forte e firme. — É isso mesmo, eu me apaixonei por Maria Teresa e já estou super satisfeito com o que tem acontecido com João Guerra. Maitê nada tem a ver com os trambiques do pai. Quero ter o direito a uma vida feliz. Não sou obrigado a viver na masmorra a vida inteira, porque esse filho da puta contribuiu para o acidente que tirou a vida da minha filha.— Sabia que isso iria acontecer. — Ela põe o dedo em riste. — Sabia,assim que vi a foto recente de Maria Teresa, imaginei que iria se envolver. —Ela expressa sarcasmo. — Não resistiu a uma boa boceta e olha o tanto que você era apaixonado por Milena.— Porra, Marion, não fale assim de Maitê. — Eu a miro com olhos endiabrados. — Milena morreu e minha filha também. Fiquei oito anos de luto por elas! Eu quis muito ter a Luísa, era a chance de ter uma família, mas não deu. Então me deixe viver a minha vida, por favor — apelo.Minha mãe faleceu quando eu tinha oito anos, meu pai se tornou um
homem deprimido e distante, meu irmão só pensava nele. Ali, na minha infância, perdi a minha primeira família. Depois veio a tragédia, foi a
segunda família que partiu. Pensei que o mundo tivesse desistido de mim,mas veio Maitê e, desesperadamente, quero uma família com ela.
— Eles vão descobrir quem é você. — Ela me pisa com algo que já sei. Ainda assim, essas palavras são como navalhas afiadas em meu peito.— Até agora ainda não aconteceu, eu não quero o perdão deles, eu só quero... — interrompo a minha fala. Não devo expor meu envolvimento. Na Verdade, eu ia dizer que o único perdão que me interessa é o de Maria Teresa.— Como assim? Você quer ser feliz com a filha do desgraçado? Isso Não vai acontecer, Otto. Eles são por demais rancorosos, nunca vão te
perdoar...— Caralho, Marion, por que diz isso? Afinal, o que foi que João Guerra fez e que você não perdoou? — Balanço a cabeça em negação. —Você não entrou nessa história de vingança só por causa de Milena,embarcou nessa história porque queria se vingar do deputado, que não largou a mulher para ficar com você.— Desgraçado!— Me fale do filho que ele te forçou a abortar, me conta essa história.— É um filho da puta, Otto! — ela berra, descontrolada. — Não Acredito que quer ficar como um pombinho apaixonado com a filha de nosso
inimigo. Vai me abandonar e ficarei sozinha diante dessa vingança? Não Aceito!Então caio em mim. Não devia tê-la provocado.— Calma, Marion, respira fundo, vamos conversar — digo, mas ela
abre a porta da picape.— Não perde por esperar — ela me ameaça e sai, batendo a porta do carro com força.Recosto no banco e levo a mão à testa, trêmulo. Marion vai me entregar. Ela é venenosa. Levo as mãos às têmporas, em desespero. Como
pude viver tão cego a ponto de não enxergar o quão nociva Marion pode ser?Claro que você não percebia, Otto, pois vivia mergulhado nesse mar
de merda e ódio, onde Marion está.Penso em Maitê.Chove e venta bastante. A água desce em torvelinho pela entrada de nosso condomínio. Moramos numa das casas mais isoladas. À medida que me aproximo, aumenta a minha angústia. Temo que Maria Teresa saiba quem sou. Temo que ela descubra a verdade e esse medo rouba o meu chão e a minha calma.Estaciono de qualquer jeito e saio na chuva mesmo, para o interior de nossa casa. Precisamos ainda construir um muro para separar a calçada do jardim. Aliás, plantar mudas de rosas e flores passou a ser uma de nossas distrações prediletas. Entro em casa, abafado e salpicado pelos pingos da chuva.— Maitê — chamo-a enquanto tiro os sapatos e deixo no espaço reservado. Largo a mochila sobre a cadeira.Maitê não responde e começo a ficar aflito, num desespero que só eu reconheço o motivo. Retiro a camisa e a calça e as jogo no chão, evito entrar no nosso quarto com roupa de hospital.
Empurro a porta do quarto, sem delicadeza, e avisto Maitê deitada na cama, com fones nos ouvidos e o olhar abatido. O seu aspecto melancólico me aterroriza. Ela ergue o torso. Meu coração dispara como um cavalo selvagem . Jogo-me na cama e a enlaço em meus braços.— Eu te amo, eu te amo! Nunca se esqueça disso, imploro! —declaro-me, em desespero.— O que houve? — ela pergunta, assustada, mas a sufoco num beijo.Movimento meus braços como se fosse possível trazê-la para dentro de mim. Sim, sou egoísta. Eu a quero para vida inteira. Exploro os seus lábios de forma gulosa, na esperança de alcançar a sua alma e a trelá-la à minha deforma definitiva, para que assim, juntos, possamos esquecer toda a merda que nos ronda e nos ameaça.Não consigo me afastar dela, ou permitir que esse beijo seja interrompido, muito menos que ela se distancie qualquer milímetro de mim.Maitê já está tatuada em minha pele, na alma, no coração, por cada poro do meu corpo. Quanto mais tenho noção do tamanho dessa ligação, mais sou
aterrorizado pelo medo cortante de perdê-la.Maitê meio que dá leves socos no meu ombro para que alivie a pressão. Afrouxo o abraço e a iço para cima de mim.— O que houve? — ela torna a indagar. — Estava quase sufocando de verdade — ela reclama.
— Mai, me perdoa, por favor, me perdoa... — profiro quase como uma oração e encosto a minha testa na dela. — Eu te amo. Imploro, por favor, não esqueça disso. — Nós nos entre olhamos e uma forte energia nos envolve neste instante.— Está muito ansioso. — Maitê dilata o olhar. — Estamos casados,amor, estamos juntos, sou a tua mulher e você, meu maridão lindo. — Ela Sorri, sem desconfiar de nada.Não consigo articular palavras e ideias capazes de explicar que,inicialmente, eu me aproximei dela movido pelo ódio que sinto por seu pai.Mentalmente, fiz e refiz esse diálogo dezenas de vezes. Mas travo. Não Consigo. Sempre acho que vou conseguir esconder esse segredo por maistempo.Admiro o seu rosto lindo, no qual comecei a me perder, com o seu sorriso, que me arrancou da escuridão medonha e escrota em que vivia.Pensei ser oco e vazio, mas Maria Teresa me preencheu de maneira plena e pura. Ela me deu o seu amor, companhia, sinceridade e dedicação.
Também me deu o seu corpo virgem, delicioso e fonte de muito prazer. Então, onde havia ódio, dor e fome de vingança, passou a coexistir paixão , admiração, encanto e tantos outros sentimentos despertos por ela, emmim.Maria Teresa é uma fada e eu, um ogro filho da puta. Com a sua
varinha encantada, foi deixando tochas acesas por meu coração. Ela me apontou o caminho para a luz, aliás, Maitê é minha guia, quem tem me feito
ver a forma tão brutal e demoníaca com que vinha agindo. Devido às minhas mentiras, fui me tornando tão igual ao pai dela, a quem tanto odeio.
Seguro-a e reviramos na cama, numa posição em que a deixo sentada,e enfio meu rosto em seu colo. Prontamente, ela ajeita o travesseiro em suas
costas e começa a acariciar os meus cabelos.— Imagino, amor, que tenha tido um dia difícil, mas seja forte, eu te admiro muito, Otto, por ter escolhido exercer a sua profissão em cidades com
carência de profissionais como você. Por que muitos preferem o glamour da profissão a enfrentar a vida com as suas cruezas, não é?— É... — respondo, com um fiapo de voz e olhos marejados.
Ela não faz ideia de como sou tão monstruoso, que estou aqui na região, não por amor à profissão, mas pelo ódio à sua família. Sinto-me péssimo. Enterro meu rosto no seu abdômen e deixo essas lágrimas descerem.Não quero que ela me veja chorar. Eu a aperto.— Te amo, te amo... Você é muito especial — murmuro numa voz que sai abafada.— Ah, Otto... você foi o melhor presente que a vida me deu. — Ela Continua a afagar meus cabelos e costas.Após deixar que sua roupa absorva minhas poucas lágrimas, ergo meu
peitoral e grudo meus olhos avermelhados nos dela, ao tempo em que retiro a sua camiseta devagar. Em silêncio, continuo a despi-la. Quando a tenho, eu me sinto completo e pleno. Quando a possuo, o temor de perdê-la é menos desesperador. Se descobrisse algo muito ruim ao meu respeito, você me perdoaria? — pergunto após retirar o seu short e a calcinha e começar a passar a barba no seu pescoço.Ela afasta o meu rosto e me encara de modo sério.— Não sou boba, Otto. O que está acontecendo? Ultimamente, age como se estivesse escondendo algo, eu já percebi.Encaro a sua íris, que me encanta desde o primeiro dia que a fitei.Conta, Otto. Coloque a verdade para ela, a sua chance de ser perdoado aumenta . Mas outra parte de mim sabe que não existe perdão para canalhas
cagões como eu, ainda mais quando ela passar a escutar a família.— Ah, Maitê... — Emociono-me. — Você é a minha família.— Você tem outra? Outra família, é isso?— Não, não, juro! Só tenho você... É um medo bobo apenas. Como Foi o seu dia? — troco de assunto e controlo a emoção.— Bem, amor, senti um pouco de indisposição, mas é da carga emocional. — Ela me sorri lindamente.
Enlaço-a de forma sufocante e desço o seu corpo. Liberto-me da cueca e foco no desejo voraz que nunca se aplaca por completo de mim.Beijo-a, ansioso, em busca de que o contato físico gere um apagão capaz de controlar o meu temor.Iço-a para cima de mim e a faço sentar-se em meu peitoral para que fique com a sua boceta diante de meus lábios. Mergulho nela sedento por seu mel, por seus gemidos, por seu gozo, por sentir sua carne macia e fina enrijecer e inchar entre meus lábios.
Maitê chega ao ápice quase em silêncio, de olhos fechados, como quem está curtindo cada instante, enquanto me embriago de seu néctar,sugando, esfregando a minha cara, nariz e barba. Se há lugares preferidos no ato sexual, certamente estar entre as pernas dela é um deles.Em seguida, voltamos a nos beijar e, então, ponho-a de quatro e tenho a melhor visão. Ali, entregue a mim, pronta para receber os meus desejos mais sacanas. Pressiono a sua coluna para que deite a cabeça no travesseiro e empine mais ainda esse traseiro gostoso.Então, eu a tomo de maneira forte. Maitê geme alto. Envolvo o seu cabelo no meu antebraço e a penetro. Mas, se a subjugo, quem está dominado sou eu; se a tomo virilmente, quem está fodido sou eu...Solto um urro forte e paro. Quero gritar e lhe contar toda a verdade,mas não consigo. Viro-a e Maitê está assustada.— O que foi, meu touro? — Às vezes, na hora do sexo, ela me chama
assim.— Ah, Potrinha... — O amargor comprime a garganta. — Posso ser um momento em sua vida, mas você é a minha eternidade.Esmago minha pele sobre a dela num abraço feroz. Beijo-a quase em desespero, penetro-a num encaixe perfeito e me afogo entre as minhas secretas mágoas e o prazer desse instante.
Capítulo 20
MAITÊ (dois dias depois)
Otto anda esquisito, age como se quisesse revelar alguma coisa, mas, em seguida, parece desencorajado. Espero realmente que essa sua ansiedade repentina não seja nada sério, porque me sinto mergulhada num caos. Ele também passou a me ligar e enviar mensagens com mais
frequência que o de costume. Quer saber onde estou, o que faço, que horas volto para casa. Ele monitora os meus passos e não sou acostumada a isso. Estranho, mas ainda não o confrontei. Um calafrio percorre a minha coluna. Desligo o ar condicionado da pequena sala alugada, na sobreloja de um prédio comercial, no centro de Mundo Verde. Olho para o horizonte nublado, constato que vem chuva por aí. Retorno à minha mesa e observo o projeto para instalação de novos maquinários para beneficiamento de café de um de nossos clientes.
Por alguns minutos, tento revisar os cálculos, mas não consigo me
concentrar. Estou receosa. Enfio as mãos entre as têmporas, apoiando os
cotovelos sobre a mesa e tenho vontade de desabar. Miro os móveis simples,
comprados de segunda mão num aplicativo de usados, que dão um ar minimalista e eficiente ao ambiente. Não é a primeira vez que passo mal. Subitamente, fiquei tonta nessa manhã e, na semana anterior, quando eu e Carlinha chegamos do almoço, acabei vomitando. Nesses dois episódios, sinto como se algo estivesse sugando as minhas energias. Mas não acho que esteja grávida. Tivemos a primeira relação insegura, no dia em que ele me pediu em casamento. Pedi que parasse, mas Otto grudou em mim, quase como um animal no cio, e só parou depois que gozou pela primeira vez sem camisinha.
Naquela semana, havia começado o primeiro ciclo de anticoncepcional
ininterrupto, mas a ginecologista recomendou que continuasse me prevenindo
com preservativo até o fim da cartela.
Optei por não abrir o jogo com Otto no que diz respeito a esses
episódios de mal-estar, que se intensificaram nos últimos dias. Não quero preocupá-lo à toa. Acho que podem ser de cunho emocional após os estresses que enfrento desde o casamento. Além disso, nunca conversamos sobre filhos. Afinal, embora tenhamos casado logo, nossa relação está em processo de construção. Só que resolvemos alimentá-la, vivendo juntos, como marido e mulher. Um filho nunca esteve na equação.Escuto um barulho, observo a porta e o girar da maçaneta. Carlinha foi à farmácia aqui perto comprar um teste de gravidez, contra a minha
vontade.
— Trouxe o teste — comenta ela, que me observa preocupada.
— Não vou fazer hoje, Carlinha — confesso. — Mas, Maitê, você é muito cabeça dura, mulher! — ela reclama. — Faz esse exame rapidinho e tira essa preocupação da cabeça. Ou conta pra Ottão que ele está grávido. — Ela sorri de forma insinuativa. — Não, não estou, só foram dois episódios. Tenho certeza de que é emocional, afinal, estou muito afetada com o que acontece com o meu pai, é por isso... E, por falar nele, meus pais querem conversar comigo. — Salvo o projeto e desligo o notebook. — Amiga, não tem nada a ver... só acho.— Carlinha vai até minha bolsa, mostra o teste e joga dentro dela. — Obrigada, amiga, mas você mesmo viu o que aconteceu no restaurante aquele dia comigo. Aquela acusação me afetou bastante. Isso tem balançado a minha família demais. É verdade, fiquei chocada com o comportamento do homem. Nem comentei nada com Otto, porque ele não aparenta estar bem. — Já vai? — indaga Carlinha. — Vou sim, vou na casa de meus pais agora. Fecha pra mim hoje? — Vá, teimosa, pode ir em paz. Apanho minha bolsa, beijo a cabeça de Carlinha e saio. Quando estou entrando no carro, recebo uma mensagem de Otto.Amor, já saiu do escritório? Respondo: Sim, mas vou passar na casa de meus pais. Eles querem conversar algo comigo. Vou dirigir agora. Dentro de uma hora, estarei em casa. Te amo. Começo a manobrar o meu carro, ele telefona. Ligo o limpador do para-brisa, porque começa a chuviscar. — Maria Teresa! — ele diz de forma impetuosa. — Oi, amor, está bem? — Não vá à casa de seus pais. Me espere e conversaremos, por favor
— Otto praticamente ordena.
Estreito o olhar e minhas sobrancelhas se unem, intrigadas.
— Não estou entendendo, Otto! Por que não quer que eu vá na casa dos meus pais? Não é a primeira vez que age assim. — Precisamos ter uma conversa. Estou te pedindo... — Otto, minha mãe já me ligou duas vezes, dizendo que precisa conversar comigo pessoalmente, que é algo sério, então, amor, vou lá agora — comunico e passo a segunda marcha. — Por favor, não! Custa atender ao que estou pedindo? — ele berra do outro lado. — Ei, ei, não me grite! E tem mais, não estou entendendo essa sua paranoia. Está em Brejo Negro e, quando chegar, teremos essa conversa. — Passo outra marcha e olho o tempo, enquanto o escuto reclamar. — Desculpe, mas estou nervoso, tem algo que preciso lhe contar...Também é um assunto sério. Converse com os seus pais depois de me escutar! — Ah, Otto, pelo amor de Deus. Pare com isso. — Os pingos de
chuva se tornam mais intensos. — Amor, cuidado na estrada, ok? Está
chovendo. Te amo. Preciso desligar agora.
Encerro a ligação. Estaciono o carro na garagem, por causa da chuva, e entro em casa pela porta lateral. Estranho não encontrar Maria Fernanda e Zoraide fazendo festa para mim. — Nanda? Mãe? Pai? — chamo alto. — Estamos aqui na sala! — grita Vera Lúcia. Ao entrar no ambiente, meus pais estão tristonhos, sentados no sofá. — Cadê Maria Fernanda? — pergunto. — Ela foi assistir a um filme na casa de Sofia — responde minha mãe. — Senta aqui, filha, precisamos conversar. — Meu pai bate a mão, no assento do sofá ao seu lado e na tangencial da minha mãe. Algo estranho paira no ar. Uma onda gélida atravessa o meu corpo e faz meu estômago embolar de forma mais intensa. — O que houve? Meu pai passa a mão nos fios pontudos da barba grisalha crescida e me encara, sério.Maitê, quando te falei que não confiava nesse homem, eu tinha
razão. E você me teimou, pior, casou de véu e grinalda! — João Guerra
esbraveja.
— O que foi dessa vez? — indago, tensa. Com o bolo no peito e as
pernas bambas, me sento no sofá.
Parece que pressinto o pior. — Nem sabermos como começar, filha — acrescenta minha mãe. Afinal, Otto deu provas nos últimos dias de que esconde algo. — Lembra-se da médica Milena Borges, que trabalhou pra mim? Aquela do acidente de carro? — Apenas confirmo, com o coração para sair
na boca. — Mário Otto Rangel Diniz é o viúvo da doutora Milena. Esse filho
da puta se aproximou de você porque tramava uma vingança! — meu pai
berra com o dedo em riste. — Não... Mas como? — Não consigo acreditar no que escuto. É mentira. Incrédula, levo a mão à garganta. — Ele quis me destruir e, para isso, não poupou nada, nem ninguém. Se aproximou de você, se aproveitou de você, mentiu e te iludiu... — meu pai
continua. Suas palavras me massacram.
— Esse monstro se aproveitou de sua fragilidade, filha, você estava
sem andar, poderia ter ficado paralítica. Debilitada, você se deixou envolver
— acrescenta minha mãe.
Não consigo me expressar, em choque. Meu coração aperta e se parte em milhares de pedacinhos, numa dor que nunca senti antes. Enterro o rosto entre as mãos. Paraliso. Gelo. Meus pensamentos explodem. Não consigo processar essa situação. O ar me falta. Minha mãe vem até mim, afaga meu cabelo e me abraça. Mas permaneço, assim, parada, em choque, sem conseguir me mover. Eu me mantenho ali. Quero gritar, contudo, minha garganta parece atingida por arames farpados, que ferem e sufocam. Lágrimas me pressionam, mas meu pranto está represado. Eu me sinto o pó, o nada, usada,
manipulada, enganada. Traída, iludida...
— Além de destruir o meu nome, de me expor com aquela desgraçada
da Marion, esse filho da puta se casa com a minha filha, na igreja, com festas
e pompas oferecidas por mim! — João Guerra brada.
— Para, João, olha o estado de Maitê — minha mãe pede.
— Vou matar esse desgraçado! — Meu pai se levanta e começa a
andar de um lado para o outro da sala, enfurecido. — Ele vai encontrar a descarada da mulher dele. No fundo, Otto, Milena e Marion são todos iguais. — João Guerra para e me dirige um olhar duro. — Tanto que te avisei, tanto que te avisei... Poderia ter descoberto isso antes, evitava a vergonha, essa
decepção, mas ele escondeu o passado, esse traidor devia estar planejando isso tudo há muito tempo. Escuto o meu pai, mas não presto atenção a mais nada. Otto se aproximou de mim, me envolveu de uma forma tão verdadeira. Eu tento me lembrar de um indício de que ele estava sendo falso e não consigo encontrar. Minha alma está dilacerada por essa dor de morte. Todas as declarações, o entusiasmo, o sexo intenso foram mentiras... Emito sons guturais e, finalmente, consigo me libertar desse torpor. Grito. Um grito de um sofrer que me parte ao meio, que me rasga, sem ferir a pele, que me destrói, mantendo-me inteira. Choro. Meu pranto é ácido e cortante, minhas lágrimas parecem queimar o meu rosto numa mágoa terrível e assombrosa.Calma, minha filha, calma... — Minha mãe me abraça outra vez.
— Imagino a dor que está sentindo. Podemos pedir a anulação desse casamento, pelo menos, você sai com alguma dignidade. — Aquele filho da puta quer arruinar a minha carreira, mas vou lutar com muita gana, eu vou me reeleger. Vou mostrar a esse corno com quantos
paus se faz uma canoa. Ele vai engolir todos os males que trouxe à nossa
família.
— Pai... — consigo pronunciar. — Pai? — Eu vou processar eles todos por injúria, calúnia e difamação. Otto é um sacana inconformado — meu pai continua o rol de acusações, sem me dar ouvidos. — Se juntou àquela megera da Marion para me expor em todos os veículos de imprensa da Bahia! Sabe o que estão insinuando? Que sou o mandante do crime, que ordenei a Jonatan que atirasse em Dudu da Noitada... — Para, pai, por favor... — peço. — Filho da puta, asqueroso. E o pior, sabe o que é? Quando o povo descobrir que aceitei que um desgraçado desses se casasse com minha filha... Ah, esse homem é muito canalha. Mas tudo porque você foi teimosa, Maria Teresa! Como se casa com um forasteiro assim? Sem saber nada dele direito... — Pai... — repito, entre lágrimas. — Escute Maitê, João. — O que foi, minha filha? — ele diz, impaciente. — Só consegue pensar em você, em seu cargo político! Não pensa em mim? — grito com a voz embargada. — Só se preocupa com o que as pessoas vão pensar de você quando descobrirem que a sua filha foi feita de otária? — Volto a chorar.Não, minha filha, não pense isso — Ele vem até mim e me abraça. — Sabe que amo minhas três Marias, não é? — Eu sei, pai, eu sei que a política é a sua vida, mas o que eu faço? Estou completamente perdida... — digo, fragilizada. — Precisa acabar com esse casamento. Aqui é a sua casa, largue esse canalha. Pode falar com o padre e com Davi, vamos iniciar o processo de anulação dessa palhaçada, no civil e no religioso. Faremos isso devagar, para tentar evitar mais escândalos, por causa das eleições, que acontecem em cinco meses — ele diz, o que apunhala ainda mais o meu peito. — Porque, se meus inimigos souberem que esse filho da puta é também o viúvo de Milena, vão deitar e rolar nessa história. E Otto vai conseguir mais uma proeza, arrastar um novo escândalo para nossa família. Vão querer te ridicularizar, então seria até bom ir embora da região do Vale por algum tempo... A impressão que tenho é de que poderia me dissolver no ar. Não existir. Não sei o que fazer, que decisão tomar. Apenas me deito no sofá, encolho-me na posição fetal e tento encontrar uma solução. Porque eu posso estar grávida de Otto. Olho a bolsa e me recordo do teste. Como Otto pôde ser tão monstruoso? Não consigo acreditar que tudo que vivemos foi uma mentira, uma farsa para ele se vingar de meu pai porque, provavelmente, culpa-o pelo acidente que matou a esposa. Depois de
tanto tempo! Como ele pode ainda ter sentimentos que o levam até a se casar
com outra...
Enterro meu rosto na almofada. Meus pais falam e não consigo mais
lhes dar atenção.
Otto e eu vivemos momentos que pareceram tão verdadeiros! Ele pediu que não esquecesse que me amava, repetiu diversas vezes nos últimos dias. Há algumas semanas, queria me convencer a irmos embora da região do Vale. Soluço, quase me sufocando com o meu choro.
Provavelmente, estava querendo garantir que eu não descobrisse a
verdade, que continuasse com ele, para me fazer sofrer e humilhar. Tudo que ele fez foi meticulosamente planejado... Sou um lixo. Olho a minha bolsa. Não vou me fazer de rogada. Levanto-me e a apanho. — Vai pra onde, Maitê? — minha mãe pergunta. — No banheiro. — O seu quarto está limpo e tem roupas no armário. — Obrigada, mãe. Entro no quarto e, quase sem piscar, apanho o teste. Tensa, leio as instruções de uso. Abro a caixa, trêmula. Vou ao banheiro, recolho a urina no recipiente e ponho a haste dentro. Fico observando, com o coração prestes a
sair pela boca.
Minutos depois, observo o resultado e me encosto no azulejo,
arreando no chão. Todos os músculos de meu corpo parecem se contrair.
Uma tragédia não anda sozinha, arrasta outras ao seu redor. Chuto o vaso e minha perna estala. Solto um grito de dor. — Maitê, está tudo bem? — Vera Lúcia pergunta. — Estou... — grito. As duas listrinhas vermelhas estão ali, confirmando o que não esperava. Estou grávida do monstro. O que vou fazer com essa gravidez? O que vou fazer com o amor que carrego no peito? Ai, Deus! Fui tão idiota e me encantei feito uma tola por Otto. Que dor, que punição, só porque eu me permiti amar. Tiro a minha roupa. Entro no chuveiro e volto a chorar aos soluços.
Deixo a água quente escorrer pelos meus cabelos de forma demorada. Seria
um sonho se a água fosse capaz de limpar esses espinhos e deixasse apenas
uma ferida pulsante. Mas não é assim. A trama do destino tem mágoa,
ressentimentos e provoca dezenas de machucados. E para essa dor, não há perdão. Eu o amo e não se desama de uma hora para outra. Esse amor sou eu. É meu corpo, minha alma. Meu coração e sentidos. Esse amor é outra vida que já palpita dentro de mim. Mas esse amor
nunca poderia ser maior que meu amor próprio. Isso nunca.
Saio de chuveiro e enxugo os cabelos.
Nervosa, pego o celular. Não tenho coragem de abrir o aplicativo,
mas vejo que já tem dezenas de mensagens, como também ligações não
atendidas. Não sei o que fazer, nem para onde ir. Meus olhos inundam de lágrimas, contudo, eu as engulo, não permito que desçam. Caí nas armadilhas de Otto. Fui uma total imbecil. Acreditei em suas promessas de amor e em suas declarações fantasiosas. Esse homem traiçoeiro
quis destruir a minha família, a vida do meu pai. Machucar a mim, com
certeza, foi apenas um dano colateral.
Vou ter que enfrentá-lo. Suspiro. Pego, no armário, um camisão
velhinho, de ficar em casa, com a figura do Piu-Piu estampado na frente. Eu
me miro no espelho e meus olhos já estão inchados. Penteio meus cabelos e sigo devagar para sala, maquinando o que pretendo fazer.Está melhor, Maitê? — minha mãe pergunta e meu pai me atravessa o olhar. Para João Guerra, sou um estorvo. Uma filha que cometeu algo errado
e agora ele tem que lidar com as consequências. Enquanto eu apenas achava
que estava sendo uma mulher moderna, que dava um ritmo à vida diferente
do que seus pais planejavam.
Meu pai sempre foi um homem maravilhoso conosco, embora sua
prioridade de vida sempre tenha sido a política. E, neste momento, ele não consegue disfarçar o seu desespero diante do estrangulamento que o meu erro com Otto causou a ele. — Estou sim, mãe... — respondo. — Estou pensando aqui com a sua mãe — começa o meu pai. — Se
você simplesmente agir como uma mocinha magoada e eu, como o pai
protetor, é justamente o que esse filho da puta quer. Depois, ele mesmo que vai sair por aí, nessas emissoras de rádio, falando mal de mim e de você... Aproximo-me devagar. Estou de saco cheio de tudo isso. Fito o rosto de dor de minha mãe. — Não quero que se preocupe comigo. Cuide de sua carreira, que é tão cara para você, pai — rebato com amargura. — Não é isso, Maitê, não é isso... — ele tenta consertar. — Minha filha, não ligue para o seu pai. — Tem algo a mais que preciso contar. Otto não sabe e nem sei quando vou contar, mas estou grávida — comunico de uma só vez. Meu pai fica vermelho. Leva a mão à cabeça. — Não acredito, não acredito! — ele se exaspera.Calma, João — pede a minha mãe. — Não aprendeu a evitar filhos, Maitê? — ele berra. — Puta que pariu! — João Guerra chuta a mesa de centro da sala e me sinto um lixo
humano. Então a campainha toca. Minha mãe se assusta, vai até a porta e olha pelo vidro. Em seguida, abre-a. — Acho que é Otto, está esmurrando o portão. — Vou ligar para Naldo e Lino. Uma nevasca se dissemina pelo meu corpo, minhas pernas ficam bambas. Meu pai quer chamar os assessores quebra-faca [22] dele. Minha mãe sai, pega a sombrinha e vai abrir o portão. Chove forte. — Não precisa chamar ninguém — digo, mas João Guerra entra em outro quarto. Vou até a varanda, com minhas pernas trêmulas. Nossos olhos se encontram. Juro. Vejo-o como um estranho. Um malfeitor. Molhado, ele corre até mim e deixa minha mãe para trás. — Eu vim te buscar, Maria Teresa. — Ele não desvia o olhar dos meus. — Você precisa me escutar — ele afirma num tom seguro e apreensivo. — É um monstro — cuspo as palavras, tomada pelo ódio. Uma sensação de que estou suja me invade. Fui usada e manipulada por esse crápula. — Sou, mas sou um monstro que te ama — ele confessa. — Nós dois nunca fomos uma mentira. — O que esse filho da puta quer aqui? — Meu pai berra com uma pistola em punho, apontada para Otto. Grito, minha mãe tenta impedi-lo. Fico ainda mais nervosa. — Baixe isso, meu pai, não vê que é você que vai acabar com a sua vida? — berro, tomada pelo terror. — Atire, João Guerra, atira — Otto abre os braços, desafiando-o. — Eu vim buscar a minha mulher, não vim bater boca com você. — Ele não se deixa intimidar. — Venha, Maria Teresa, por favor. — Ele me observa de modo duro e pega o meu braço. — Não me toque — digo, entredentes. — Tenho repulsa de você.
— Se afaste dela — João Guerra insiste.
Um caos se instala, meu pai continua com a arma em punho, a chuva
cai torrencial, minha mãe se lamenta e tenta convencer meu pai a baixar a
pistola, Otto o ignora e age como se só eu estivesse ali.
aconteceu. Além de muito desprezo e um pouco de satisfação, não tenho orgulho pela derrocada desse homem. Também imaginava que poderia dormir em paz, que os pesadelos diminuiriam. Sim, isso aconteceu. Tenho tido noites de sono tranquilas, mas foi estar ao lado de Maria Teresa que me trouxe essa paz. E agora estou nessa situação. Prestes a perder a mulher que amo. O que mais me perturba é não saber se ela será capaz de me perdoar plenamente
e voltar a ser como antes. A única certeza que carrego no peito é a de que vou
lutar por ela. Após o banho, retorno para o quarto e Maitê continua praticamente na mesma posição. Ao apanhar o travesseiro na cama, não resisto, deito-me ao seu lado e passo meu braço pelo seu corpo. Ela reage. — Tire esse seu braço de cima de mim! — ele ralha, entredentes, rejeitando-me. Ela se levanta e corre para o banheiro, fechando a porta. E eu sinto uma frustração do tamanho do mundo. Expiro de forma barulhenta. Apanho o travesseiro na cama e um lençol no armário e me ajeito no colchão no chão. Vai ser difícil dobrar Maria Teresa. Mas não impossível.
Continua amanhã, o que vocês estão achando do conto?
Será.q ela perdoa ele
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