Conto Erótico - Só por um ano - Capítulos 32, 33 e 34 (Final)
SÓ POR UM ANO
CAPITULOS 32
FALTAM TEUS OLHOS
Os olhos de Vicente Max se entreabriram e uma onda de dor se disseminou
tanto na cabeça ferida, que latejava sob uma poça de sangue seco, quanto na
carne machucada do corpo, devido aos socos e chutes que havia levado. As
mãos estavam dormentes, amarradas uma a outra nas costas e os pés também
estavam imobilizados. Sentia uma forte dor de cabeça e uma sede
insuportável, mas não ousava pedir água.
Já era noite e a iluminação vinha apenas de uma lâmpada incandescente
sustentada por um bocal e um fio no meio daquele casebre sujo, de piso de
cimento. Evitou se movimentar para não chamar atenção dos homens que o
sequestraram. Lembrou-se de Suna e o coração partia em milhares de pedaços
e seus olhos marejaram. Esperavam um filho, o bebezinho que tanto desejou
ter com ela, e não sabia se sobreviveria para carregá-lo em seus braços.
Estava sendo ameaçado de morte a todo tempo. "Vai morrer, doutor de
merda", escutara diversas vezes.
Quando havia chegado ao casebre e liberaram seus lábios, prometera
dinheiro. Tinha falado em dar cem mil reais e levara socos. À medida que
fora aumentando a quantia ofertada, mais tinha sido agredido, até que o
empurraram. Perdera o equilíbrio, com os pés presos, batendo a cabeça na
mesa, ficando desacordado.
Havia sido sequestrado no estacionamento do subsolo do hospital. Os
homens foram rápidos. Assim que saíra do elevador, levara um soco no rosto
e um deles tampara sua boca para não gritar enquanto outros três o
seguravam pelos braços e quadril. Havia tentado reagir, mas eles o
dominaram, rápidos, violentos e preparados. Adesivaram os lábios com fita,
amarraram os braços e pernas e o jogaram no fundo de um utilitário, que já o
esperava.
Provavelmente, os seguranças particulares contratados nem viram o que
lhe tinha acontecido, pois eles ficavam no estacionamento externo. Não
queria que os colegas soubessem que utilizava serviços de proteção. Além
disso, o Santa Efigênia tinha seu corpo de profissionais de segurança, mas
que não estava lá, na hora do sequestro. Concluía que quem orquestrara
aquilo não temia que aqueles homens fossem descobertos, pois logo dariam
falta dele e investigariam as imagens.
Pelo canto do olho, avistou o catre, um balde e a mesa rústica com bancos
onde três de seus algozes estavam sentados num silêncio gritante, observando
os celulares. Mirou a fresta da porta fechada e sentia uma pequena rajada de
vento quente e fétido. Deviam estar perto de algum esgoto. Desse modo,
imaginou haver moradores nas redondezas embora não tivesse avistado
nenhuma casa, quando fora retirado do veículo. O que mais o intrigava era
quem financiava aquilo tudo. Uma grande desconfiança começou a pairar
pela sua mente e passava a entender nuances que não havia notado antes.
Fora um idiota.
— Ele está chegando aqui – comentou o alto e forte homem que parecia
liderar o grupo de agressores. Ele devia referir-se ao arquiteto daquela
empreitada. Era alguém com dinheiro. Por mais que não quisesse acreditar
naquilo, tinha uma forte intuição sobre quem atravessaria a soleira da porta.
Sentiu-se um imbecil por ter confiado tanto.
— Quem? – sussurrava o mais magro com o bigode e a barba finos.
O outro fungou e nada respondeu.
— Só espero que esse Ele, em quem você confia, tenha mesmo todo o
dinheiro prometido – sussurrou o careca e forte.
— Não duvide. Quando dermos fim nesse playboy aí... – apontava para
Max. — ... cada um receberá sua pequena fortuna.
Fechou os olhos com o coração acelerado. Pensou em Suna, no tanto que a
amava. Seu coração chorava. Queria muito estar com ela, acompanhar aquela
gravidez, assistir à barriga crescer. Não queria perder o brilho e beleza do
rosto e do corpo dela, o riso sincero, os beijos carregados de entrega, a sua
presença graciosa, a energia vibrante... Quanto de teus olhos me faltam,
Suna! Meu espírito nunca descansará em paz, pensou num arroubo de
pessimismo.
Sentiu duas lágrimas escorrer pela face. Acreditava em vida após a morte e
se morresse daquela forma violenta iria sofrer uma eternidade no purgatório,
sofrer de amor, martirizar-se por ter permitido aquela situação, por ter sido
ingênuo. Pôs a testa no chão e se arrependeu, uma explosão de dor se
concentrou na cabeça. Fechou os olhos. Por outro lado, tinha certeza de que
era melhor que ele fosse sacrificado do que Suna, machucada.
— O doutor borra-botas acordou – o homem alto e forte percebeu seu
movimento e se levantou do banco, derrubando-o. Foi até ele e lhe deu um
pontapé no estômago. O ar faltou por vários segundos, estatelado pela onda
daquele impacto. Quando voltou a encher os pulmões, gritou. — Ninguém
vai escutar... seja macho, seu filho da puta, sua hora tá chegando.
— Não estão sendo humanos... – disse ainda dolorido, com os músculos do
rosto contraídos. O homem puxou seus cabelos a ponto de levantar parte do
torso do chão, grunhia com os dentes cerrados. Em seguida, o algoz soltou
seu corpo e bateu no chão. Respirou rápido, recuperando o fôlego para tolerar
as dores.
— Quem lhe disse que somos gente... – eles riram.
O fim parecia se aproximar e uma forte energia se concentrava na base do
abdome. Podia ser medo, mas não temia a morte, só a receava por afastá-lo
da mulher que amava e do bebê que ainda nasceria. Sim, aquela sensação era
a adrenalina circulando na corrente sanguínea, elevando o estado de alerta,
atenuando as dores das agressões e deixando-o pronto para escapar na
primeira oportunidade. Lutaria até o fim, daria muito trabalho para aqueles
desgraçados.
Escutou o barulho da porta abrindo e avistou os sapatos caros de couro,
estalando sobre o piso sujo e desigual. Não precisava erguer os olhos para
saber quem estava ali, usando aqueles calçados elegantes. De repente, a culpa
e o pesar se disseminaram pelo corpo. Havia sido um tolo em lhe dar tamanha
confiança, considerá-lo como grande parceiro e até irmão e em permitir que
conhecesse suas fraquezas e soubesse sobre o grande amor de sua vida.
Aquela pessoa havia atentado contra a vida de Suna, esteve todo o tempo
financiando os atos de Dante e de Mércia, embaixo de seu nariz. Como pôde
ser tão estúpido? Parecia que vozes, em coro, reverberavam aquela frase em
sua mente.
Ele entrou e foi seguido por outro de tênis puído, provavelmente, o quarto
homem que participara do sequestro. Continuou com os olhos estáticos
acompanhando a barra da calça de tecido fino, suja de lama.
— Max, não tem ideia como imaginei esse momento... – continuava com o
olhar fixo no chão. — ... pensei em como abordá-lo, doutor Vicente Maximo,
mas a melhor forma é sendo mesmo direto. Enfim, aqui é sua linha de
chegada, meu irmão. Não será mais o grande cirurgião de destaque, que opera
de graça aos fins de semana, tão aplaudido por todos, tão admirado! Nem
aquele que desprezou convites e mais convites de hospitais no exterior, ao
longo da carreira – disse Ele com a voz emplumada. — Não será mais
condecorado, nem os pobrezinhos daquele hospital malcheiroso vão lembrar
de você em seis meses – Ele andou em sua direção e os sapatos refletiam a
luminosidade do casebre e a podridão que exalava daquele homem que tratou
como grande amigo e colega. Sentia-se culpado, derrotado e burro, mas não
vencido. — Também, doutor Vicente Max... – ele deu destaque ao seu nome.
— Não irá mais seviciar e sangrar mulheres... nunca mais sua boca imunda
tocará em qualquer uma, nem naquela insossa que diz amar.
— Nada sabe sobre amor, nada sabe... Nunca imaginei que fosse louco... –
rasgou reflexivo sem fitá-lo. — ... nem que me invejasse a esse ponto.
— Aí que se engana, mano. Não te invejo. Você cruzou o meu caminho,
tomando o que me pertence. Veio de São Paulo, ocupando o espaço que seria
meu... roubou minhas vagas de trabalho, o posto de melhor neurocirurgião do
estado e do país, o que resulta em ter se apossado de meu dinheiro, de meu
reconhecimento e minha grande reputação.
Ergueu um pouco rosto pasmo com o que escutava. Deveria ter dado
ouvidos a César, que sempre esteve coberto de razão em suas desconfianças.
Seus olhos, então, cruzaram com a íris malévola de Diego Pio.
— Só peço que deixe minha mulher fora de seu radar de maldades.
Diego riu de algo que só ele próprio achava graça.
— Sua mulher? É insossa, mas é bonita, serve para fachada. Você mesmo
a usou – o tom de desdém era intruso, louco e odioso. — Acho que me
casarei com ela. É claro, quando passar o luto por sua morte – mais uma vez
ele ria. — Afinal, sou seu melhor amigo, depois do imbecil do irmão dela.
Aliás, Marcel, aquele advogadinho de merda, é outro que se considera um ás
da inteligência e nunca percebeu que eu ia direto no escritório acompanhar o
que ele fazia para você, escutar e esmiuçar sobre acontecimentos...
Fechou os olhos e uniu as sobrancelhas. Se morresse, Diego iria querer
criar o seu filho. Ele desejava apossar-se de tudo o que era seu, prestígio,
dinheiro e até conquistar a sua mulher. Sentiu o desespero assaltar os
sentidos, mas nada deixou transparecer. Diego era um psicopata e nunca tinha
se dado conta.
— ... aí, nessa amizade com Marcel, descobri sobre a agonia e desespero
dele por Suna, a irmã branquinha e perdida na história. Investiguei, antes
mesmo que ela fosse a escolhida por você, Max, para o casamento de
fachada. Lembra-se de quem sugeriu Suna? Eu. Eu sou um grande mentor...
recorde-se também que fui eu quem mais insisti para que o casamento fosse
uma forma de proteção para você – Diego dava eloquência aos seus feitos. —
Por outro lado, fiz minhas investigações e descobri sobre a vida de Suna e
cheguei a Dante, no cara que se escondia de todos. Também instiguei a puta
da Mércia a te perseguir, pois ela é apaixonada por você e queria vingança...
– ele gargalhou e depois ficou sério. — Enfim, só não consegui de Marcel
algo que tanto quis para te destruir, que era uma cópia do contrato assinado,
ou qualquer outra prova de que fidelizava mulheres e machucava seus corpos.
Tentei descobrir o endereço dessa Elisa para convencê-la a te denunciar à
imprensa e te processar na Justiça. Mas não consegui nada, mesmo tentando
segui-la de lá do flat, não é Miguel? – o grandalhão que o havia chutado,
apenas meneou a cabeça em direção a Diego. — Meu amigo, só que graças a
minha esperteza te convenci a casar com Suna – enfatizou. — Precisa me
agradecer, Max... sou um grande cupido – mais gargalhadas estúpidas. —
Imaginei que fosse abusá-la e que isso afetaria a amizade entre você e
Marcel, assim, ele mesmo o destruiria. Contudo, não contava que Marcel
fosse um idiota amigo-fiel e você fosse se apaixonar pela princesinha –
zombava Diego.
Queria explodir e trucidar aquele bandido, mas sua situação era a pior de
todas, dominado, machucado, amarrado, jogado no chão.
— O que quer que eu faça para acabar com isso? Dinheiro? Quer que eu
saia do país? Faço isso e deixo o caminho livre para você... – sugeriu,
buscando o equilíbrio, tentando encampá-lo em alguma ideia diferente de o
matar.
— Mano, teve todas as chances para evitar que a situação chegasse a esse
ponto – Diego se exprimia com convencimento. — Não percebe o tanto que
fiz para que sua vida íntima fosse exposta e você perdesse sua reputação, sem
que fosse necessária essa situação aqui? – ele abria os braços. — Não vê o
tanto que me esforcei para salvar a sua vida? Depois que a burra da Mércia
foi pressionada e Dante preso, resolvi recolher meu plano para que a situação
esfriasse. E você ficou de boas com a amada. Que maravilha, não foi? Veja,
ainda te aconselhei a aceitar a proposta de ir para Boston, mas... não me deu
ouvidos. Apenas se comportou como a gatinha obediente de Suna – Diego se
aproximou mais.
— Você quem provocou o incêndio na confeitaria e fez a acusação recair
sobre mim. Além disso, tentou matar Suna, provocando um incêndio no carro
dela – concluía o que já era óbvio. — ... ainda mandou aquelas buquê odioso.
Diego ria.
— Gostou? – gargalhou mais alto. — Nunca quis matar Suna, foi só um
susto. Enfim, enfim, meu caro Max. Fui muito bom, cara. Ajudei a casar com
ela e te dei conselhos e mais conselhos para ir para fora do país. Olha, e já
tinha meu plano engatilhado, mano, fiquei esperando que zarpasse antes de
executá-lo. Os incêndios foram os últimos avisos... Agora, você não foi
inteligente, não foi esperto... o que me resta?
— Entender que o que está fazendo é uma grande loucura e ainda assim,
posso deixar passar em branco. Irei embora. Você nunca mais escutaria falar
em mim.
Diego zombou.
— Muito tarde. Olha onde chegamos? Aqui é caminho sem volta,
infelizmente. Mas prometo que terá um fim digno – Diego virou-se para os
homens atrás de si. — Coloquem o doutor Vicente Max sentado na mesa,
com as mãos livres, ele vai fazer transações bancárias para nós...
Ficou em alerta. Aquela poderia ser uma chance. Os homens o levantaram
do chão enquanto Diego ordenava, ao que havia chegado com ele, que fosse
buscar algo no carro. Parte do corpo estava dormente. Quando soltaram suas
mãos, parecia que não as tinha mais, observou os pulsos feridos e os dedos
inchados. Mirou a porta, mas o grandalhão estava com um revólver apontado
para ele e o careca, com outra arma na cintura, e não conseguiria ir muito
longe com os pés amarrados. Não criou resistência e caminhou, em passos
curtos, para perto da mesa onde estava Diego, que puxou o banco.
— Sente-se aí, fera – disse Diego, apoiando levemente o seu ombro,
quando se instalou no banco. Teve vontade de socar a cara dele.
Estava consumido pelo ódio. Havia sido ludibriado por anos. Conhecera
Diego logo que chegara a Salvador. Era um bom cirurgião e aceitara integrar
a sua equipe. Desde, então, tornaram-se parceiros e amigos. Confidenciavalhe sobre sua vida, saíam e curtiam a noite juntos, nas ocasiões em que
estivera solteiro. Nunca imaginou que ele pudesse ser doente, cheio de
ressentimento e inveja daquele jeito. Diego queria sua vida e agora a tinha.
Aquela situação era limite, ainda assim, mantinha-se firme.
Olhou os dedos com as pontas arroxeadas enquanto Diego abria o seu
notebook e lhe virava a tela para que fizesse login. Soltou o ar de modo
profundo, digitou com dificuldade e pôs o dedo no leitor de reconhecimento.
O software iniciava a abertura da tela principal. Diego colocou um modem de
acesso à internet.
— Pronto. Está um pouco lento, mas o sinal é bom. Estou entrando no
aplicativo de seu banco. Preciso que transfira seus fundos para uma offshore
no Panamá.
— Não tenho muito recurso aplicado – na verdade, tinha uma boa reserva,
mas não podia entregar para aquele insano. Era para o futuro de Suna e seu
filho.
— Claro que tem. Recebe os dividendos da Lumax e ainda tem sua receita
pessoal.
— Emprego em caridade, sabe disso. Financio instituições. E já me desfiz
dos últimos dividendos.
— Cara, sua morte pode ser complicada caso não colabore.
— É o que tenho Diego, raspe minha conta e algumas aplicações. Além
disso, numa hora dessas, as maiores transferências não podem ser feitas por
aplicativo. Preciso falar com o gerente amanhã de manhã – algo começava a
vislumbrar na sua mente.
— Não dê uma de esperto. Quero agora.
Percebeu os olhares preocupados dos homens, exceto de Miguel. Um
deles, o mais franzino de barba e bigode finos o fitava curioso.
Provavelmente, Diego deve ter prometido a eles que a maior parte do
dinheiro sairia de sua conta, com o sequestro.
Diego notou sua dificuldade para teclar e torceu o nariz.
— As mãozinhas de fada, não é, doutor? Tão precisas e hábeis em cirurgia!
Só que não necessitará mais delas, não terão serventia – ele afirmava e um
frio subiu a coluna, suas mãos eram suas ferramentas preciosas de trabalho.
Acessou a conta e abriu a menor aplicação. Por sorte, a maior parte de seu
dinheiro estava em fundos que não apareciam no sistema do banco.
— Tem esse valor – apontou.
Ele olhou a tela.
— Não aceito. Onde está o restante?
— Expliquei. Não existe e outra coisa, não posso transferir agora. Só
falando com o gerente.
Diego puxou o notebook.
— Deixa-me digitar os números aqui e verificar o que é possível fazer
agora. Você diz a senha para mim – Diego levou alguns segundos e pediu a
senha. Disse uma errada e ele não conseguiu fazer a transferência. — Bata
nesse miserável. Sabe que está errada e ninguém aqui está para brincadeira –
num átimo de segundo levou um soco no rosto tão forte que caiu do banco, o
sangue descia pelo nariz, empapando a barba. Mesmo assim, o franzino e o
careca seguraram seus braços e Miguel o socou na barriga.
— Diga a senha correta ou Suna sofrerá por sua indolência – Diego
ameaçou com veemência. Teve medo. E acabou revelando os números e
letras.
Diego demorou algum tempo usando o aplicativo e depois se levantou.
— Meus amigos, vamos motivar Max a falar direitinho com o gerente
amanhã. Mas se não der, não tem problema... Esse filho da puta escondeu o
dinheiro dele de mim. Vai morrer, Max, e não vai ser rápido – Diego gritou
ameaçador. — Primeiro as mãozinhas.
Uma onda de medo assolou os sentidos quando viu Diego tirar um estojo
com instrumento cirúrgico de dentro da pasta, onde estava o notebook.
Tentou resistir, gritou, mas eles colocaram e prenderam sua mão esquerda
sobre a mesa. Diego iria amputá-la, teve certeza. Virou o rosto e se preparou
para o primeiro lastro de dor. O monstro entrou em fúria, gritando
xingamentos a seu respeito e fazendo voar um banco sobre sua mão. Soltou
um berro e, também, sentiu alívio por não ter sido como imaginara. A mão
latejava.
— Vai passar a noite sofrendo... sofrendo não, morrendo. E se amanhã não
estiver com a boa voz para falar com o gerente de sua agência, arrancarei
membro por membro com você vivo, seu filho da puta. Vai implorar para eu
te matar – Diego explodia com impetuosidade. Veio até ele, que não tinha se
recuperado da pancada na mão, e enfiou o bisturi no fígado e retorceu.
A dor dilacerante o atingiu. Urrou exasperado. A mente entrou em
confusão. Diego saiu e dois dos homens o pegaram e levaram até a cama
rústica. Aquele pequeno conforto foi suficiente para reorganizar a mente,
talvez tenha apagado por alguns segundos. Mas seu estado de alerta voltou. A
mão estava quebrada, observou o abdome e, pela camisa, percebia que não
sangrava, mas sabia que estava com hemorragia interna. Diego deve ter
atingido alguma artéria secundária do fígado. Perdia sangue e, em doze horas,
estaria morto.
Os homens haviam saído para fora da casa. Depois, escutou o som de um
carro partir. Buscou forças de onde não tinha e sentou na cama. Com a mão
direita, tentava liberar os pés. A ferida na barriga latejava e o movimento fez
com que sangrasse mais um pouco. Conseguiu afrouxar a corda e quando ia
puxando-a, dois dos homens retornaram, o franzino e Miguel, que
empunhava o revólver em sua direção.
— Tá fazendo o quê, seu filho da puta – Miguel partiu para cima dele com
a arma apontada.
— Calma, calma. Precisamos dele. Você está nervoso, me dê esse berro
aqui – o franzino tomou a arma de Miguel. Numa fração de segundos, ele
olhou o tambor, apontou para a cabeça do outro, que expressou um misto de
surpresa e susto, e só escutou o estampido e o corpo tombando no chão.
Miguel, o homem de confiança de Diego já caíra morto. Ficou em choque,
sem reação.
O rapaz franzino se voltou para ele.
— Sua sorte virou, doutor... – o rapaz lhe sorriu de um modo até ingênuo,
colocando a arma na cintura. — Não tá lembrado de mim? Merreca, do
assalto na casa de Dante.
Max colocou a mão direita na testa ainda assimilando o que havia
acontecido. Teve vontade de abraçar e beijar o rapaz, mas, por segundos, só
conseguia olhar o corpo inerte de Miguel, com parte da massa encefálica
exposta, e para Merreca. A imagem de Suna grávida vinha em sua mente e
tinha certeza que estariam juntos de novo. Não era o seu fim. Estava ferido
gravemente, mas tinha suas chances.
— Meu Deus! Obrigado... – finalmente desabafou, literalmente, prendendo
o choro. Nunca pensou em agradecer por uma morte, pois trabalhava para
salvar vidas.
Merreca revistava o bolso de Miguel e apanhou uma chave do carro. —
Sabe que estou na condicional, precisa me ajudar, doutor. E ajuda boa, salvei
o senhor.
— Claro, terá tudo que precisar... dinheiro, advogado, tudo. Me ajuda a
sair daqui. Preciso de um hospital urgente – sentia-se fraco.
— Venha – Merreca foi até ele e o ajudou a se livrar da camisa e da corda
dos pés. Pressionou a camisa no abdome cortado e, apoiado em Merreca,
caminhou para fora do casebre. — O senhor também operou uma tia minha
no Santo Antonio. Ela tinha uma laranja na cabeça.
— Eu opero muita gente lá, não recordo dela... é ... sua tia tinha um
tumor... – olhou perdido ao redor. — Onde estamos? Que horas são?
— Tia Tonha ficou bem, quer dizer, anda com um lado paralisado, sabe
como é, mas ela tinha sido desenganada – Max assentiu e Merreca continuava
a falar. — Vamos rápido porque eles vão voltar. Estava procurando um
momento para salvar o doutor, porque aquele lá é pinel, doidão da cabeça –
Merreca falava enquanto abria o utilitário e ele entrava. — Já passa da meianoite e estamos nas matas de Boca da Mata, conhece?
— Sim... sim – sentia as forças se esvaindo. — Tem o contato de César?
Liga para ele, por favor, e conta o que aconteceu. Diz que o nome do culpado
é Diego, Diego.
SÓ POR UM ANO
CAPITULO 33
SUSPIRO FINAL
Suna olhava o movimento de César e Marcel ao telefone e contava com o apoio de Maya ao seu lado, tentando confortá-la, afagando sua mão. Contudo, o medo era solitário, frio e angustiante, queimava os âmagos mais profundos como o ácido corrosivo, revirando as expectativas, transformando a esperança em noites escuras. Temia por Max, queria-o de volta. Faltavam lágrimas para chorar o sofrimento naquelas horas, minutos e segundos dramáticos. Chamara Dulce, pois tinha certeza que ela nada tinha a ver com que acontecia de ruim na vida deles. Ainda assim, sentia-se desamparada, sem norte, sem rumo. Não era muito religiosa, mas apanhara seu terço que a acompanhava desde a adolescência e rezara dezenas de painossos, rogando por Max. Tinham acabado de voltar da delegacia e a polícia já tinha começado a vasculhar a cidade em busca dos homens vistos nas filmagens e que haviam sequestrado Max, procuravam também o veículo utilitário em que ele tinha sido levado. Queriam ter continuado na delegacia, mas foram orientados a retornarem para casa e aguardar qualquer contato dos sequestradores. Marcel também tinha colocado a equipe de segurança particular para investigar sobre o paradeiro de Max. César acionara o pessoal que ele conhecia. Desconfiava que aquele não era um sequestro comum. O seu celular não iria tocar, nem o telefone fixo e aquela impressão era extremamente devastadora. Dulce chegou na sala com uma bandeja com café e biscoitos e colocou na mesa de centro e lhe entregou uma fumegante xícara de chá de camomila. — Precisa tomar, Suna – disse a governanta, quase como uma ordem. — Tenho certeza de que tudo dará certo no final. Tenha fé, minha querida – segurou a xícara trêmula e escutava o tilintar da louça. Dulce tomou de sua mão, sentou-se junto a ela e levou a xícara aos seus lábios. Ali só Dulce sabia de sua gestação. Nada contou aos outros, pois não queria tornar os momentos ainda mais difíceis. — Respira fundo, Suna, pausadamente. A respiração ajuda a acalmar. Como Dulce, também tenho a intuição de que Max vai voltar logo – dizia Maya, mas sabia que as duas estavam apenas tentando amenizar a sua dor. — Quero muito que seja verdade... não vou suportar... – uma ligação que César recebia chamou a sua atenção. — ... Onde? – disse ele e depois escutava a resposta. — Graças a Deus – César falava alto e Suna prendeu o ar, negando-se a tomar a bebida. — O quê? Sabia que tinha sido esse filho da puta... Como ele está? – silêncio, o que parecia uma eternidade. — Okay... Está em que carro? – mais um tempo. — O mesmo do sequestro? Na BR? Fica ligado no celular e não reaja, pois a polícia já está buscando esse carro. — Gente, o que foi? Max apareceu? – acabou por quase gritar. — Calma, Suna, deixa César terminar – pedia Marcel. Sentiu as mãos de Dulce e Maya pressionarem suavemente seus braços. —... não, Merreca, você está com Deus agora, meu amigo. Confia em mim? Fez o certo. Não vai te faltar nada e nem vai perder sua condicional, calma. Já já te ligo de volta. César desligou afobado e fitou Marcel. — Precisamos enviar uma ambulância para buscar Max na estrada – César abraçou Marcel e eles lhe deram as costas, passando a sussurrar um com o outro. — Nem pensem em me deixar de fora – reclamou, levantando-se estabanada. — O que aconteceu com Max? — Calma, Suna – pediu Maya. — O tempo pode ser crucial – a amiga a puxou de volta ao sofá enquanto os dois homens continuavam a cochichar. — Max só pode estar ferido – concluía nervosa. — Vamos ajudar no que for possível, mas não podemos atrapalhar. Venha cá – Maya a abraçou. Marcel e César se afastaram. O semblante de Marcel assombrava. — Vou providenciar uma ambulância e encontrar com eles na estrada – disse César e já foi telefonando. — Decidam o melhor hospital e me avisem – pedia César e mudava a atenção para a ligação. — Preciso de uma ambulância com equipe agora, na rodovia. É particular... – ele falava enquanto saía do apartamento. — O que aconteceu? – indagou e caiu em prantos. César saiu e Marcel veio em sua direção. Dulce a afagou. — Controle-se! Se perder o bebê, deixará doutor Vicente muito triste. Ele quer vocês bem – ela murmurou em seu ouvido, como se confidenciasse um segredo. Marcel se aproximou e se agachou, tocando seus joelhos. — Suna, a história é longa. Max foi ferido. Enfim, tudo isso foi provocado por Diego – arregalou os olhos diante do estresse de Marcel e do que escutava. — Não sabemos muito. Precisamos agora decidir o melhor hospital para ele. Consiga o telefone de Paulo Sarmento, que é médico de confiança e pode sugerir o melhor lugar para levá-lo. Apanhou o seu celular, procurou o número do diretor de hospital e entregou para Marcel. — Vindo da rodovia, o mais equipado é o São Mateus... – sugeriu ao tempo que segurava as mãos de Dulce e Maya, sentadas ao seu lado, e começava a orar baixinho. Marcel conversou com Paulo. Escutou quando ele informava que Max havia sido ferido no abdome com objeto cortante, estava com a mão e a cabeça também machucadas. Ouviu Marcel contar que ele vinha de Boca da Mata, um dos últimos bairros da cidade. Em seguida, ao concluir a ligação, seu irmão ligou para César. — Vamos para o hospital São Mateus. Encaminhe Max para lá... – ao finalizar a ligação, o irmão voltou-se para elas. — Paulo enviará uma equipe de médicos para cuidar de Max, vamos para o São Mateus também. Durante o trajeto, Marcel contou o que um tal de Marreca, que salvara Max, dissera ter acontecido. Ainda não tinha digerido que o sequestro de Max tivesse sido planejado por Diego, com isso, os outros incidentes devem ter sido arquitetados por ele também. Contudo, naquele momento, o que mais queria era encontrar Max, sem se importar para as motivações insanas de Diego. O coração ora parecia apertado, ora esfarelado em formas estranhas e pontiagudas que machucavam a alma. Max era a sua vida, o seu sol e ela orbitava ao redor dele e dependia daquele vigor para se alimentar e sobreviver. Até quando esteve possuída de raiva, o imaginário de Max, a sombra de sua existência, mesmo que distante, tinha sido essencial para que continuasse e resistisse. Não vislumbrava viver sem a íris escura e brilhante daqueles olhos misteriosos e sugestivos, ou o sorriso extenso e cativante de Max, ou sem o jeito másculo e, muitas vezes, grosseiro de ser. Não viveria sem a sua impetuosidade, esperteza e presença sagaz. E o filho que esperava simbolizava muito, era o resultado de um amor intenso, de uma paixão avassaladora que vencera as decepções e os enganos. Depois de tudo, não iria ficar sem ele. Precisavam lutar e iriam sobreviver a mais um ato ardiloso que recaía sobre sua família. Ele, ela e o bebê iriam superar aquela situação. Fitou para Marcel ao volante e tomou uma decisão. — Marcel, Maya... – chamou-os. — Tenho algo para contar a vocês. — Já estamos quase chegando, o que foi? – questionou Marcel. — Estou grávida de dois meses... – seria um momento de alegria, mas não havia espaço para contentamento, com Max correndo risco de vida. — Que maravilha, Suna... Max já sabia? – indagou Maya. — Sim, descobrimos no domingo, fui ao médico hoje. — Parabéns, minha irmã. Queria que as circunstâncias fossem outras – disse Marcel com um semblante surpreso enquanto procurava uma vaga para estacionar. Após saírem do carro, Marcel a abraçou e, apoiando no seu ombro, seguiram até o acesso à emergência. Maya vinha atrás com Dulce. Pairava um clima estranho entre Maya e Marcel, parecia que haviam rompido, porém não tinha condições de especular sobre isso com a cabeça atordoada de preocupações. Ficaram na entrada principal do pronto atendimento e logo chegou Paulo Sarmento, um senhor careca, médico e diretor de um dos hospitais em que Max operava, na companhia de mais dois outros médicos, que os cumprimentaram. Longos minutos se passaram até César ligar, informando que estava perto do hospital. O bater de seu coração se intensificou, as mãos gelavam e suavam ao mesmo tempo. Não demorou, escutou a sirene da ambulância, ao longe, aumentar de intensidade. Mais alguns segundos abissais, avistou o giroflex azul e o veículo sendo guiado com destreza e velocidade. Quando parou, na rampa de acesso, o fundo foi aberto rápido, César pulou de lá. Adiantou os passos, Marcel segurava seu avanço e viu Max ser tirado da maca, lívido e desacordado. Mesmo com o corpo coberto, o rosto machucado e inchado foi o indicativo do horror que ele havia sido submetido. — Ai meu Deus! – era tudo que conseguia dizer, com as mãos encobrindo os lábios, em choque. Tentava movimentar-se para próximo dele, mas os médicos o cercaram e levaram para dentro da emergência. — Preciso vê-lo – implorava com a voz embargada. — Levem Suna para a sala de espera – pedia Marcel a Maya e Dulce. Chorava em busca de forças e algo dentro dela gritava que precisava parar e ser forte. Logo o choro foi engolido por sua alma triste e reflexiva. Enquanto ficar entre lágrimas e lamentos, não conseguirei passar a força necessária para que ele se recupere, concluía. Controlou-se para o bem do bebê e foi respirando lentamente sem conseguir livrar-se da imagem de Max quase morto, tinha que admitir. Puxou o ar com mais força e se levantou. — Suna, fique aqui... – Maya tentava convencê-la. — Não adianta, preciso de notícias de meu marido – mirou Dulce e a governanta não conseguia esconder o abalo e as lágrimas que lhe brotavam. Foi até ela e a abraçou. — Vamos conseguir. Ele vai ficar bem – consolou a governanta. Começou a caminhar em direção aos biombos de atendimentos e Maya a seguiu. — Estou bem, May. Quero ir só, por favor – a amiga fitou-a nos olhos e desistiu. Se, naquele momento, era na tristeza e no lamento que iria tê-lo, enfrentaria esses sentimentos para ter o homem que amava próximo a si. Encontrou Marcel, que havia sido impedido de entrar. — Não adianta, ele já foi levado para o centro cirúrgico. Está recebendo sangue. Os melhores médicos estão com ele – abraçou o irmão e mesmo com a alma em prantos segurou as lágrimas. César estava do lado, em seguida, Paulo Sarmento veio até eles. — A situação de Max é crítica, mas ele é forte – disse o médico sem rodeios olhando nos seus olhos. — Nada está perdido... ainda não sabemos a extensão dos danos e ele está nas mãos dos melhores cirurgiões gastroenterologistas. Ele também vai passar por exames de imagens para verificar as pancadas na cabeça e a lesão da mão, mas primeiro é preciso estabilizar a hemorragia. As palavras de Paulo Sarmento chegavam como facadas ao peito, cada uma a atingia mais e mais fundo. Contudo, conseguiu se controlar. Precisava permanecer forte. Precisava ser de aço. Paulo se foi para a área de acesso restrito com um semblante triste e César se aproximou. Fitou-o com olhos suplicantes e César a observou complacente. — Como agora é esperar, vou cuidar da vida de Merreca e ver se encontro esse desgraçado do Diego porque a polícia é muito lenta – afirmava César. — Não faça nada que te prejudique – alertava Marcel. — Eu disse que farei alguma coisa? Não escutaram nada – César mirou-os com aspecto cansado e aborrecido. — Mas tenho gana daquele safado há muito tempo. Ficava enfiado lá em seu escritório, olhando suas coisas, escutando... — Nós erramos. Eu e Max avaliamos mal sobre Diego... – concordava Marcel. César juntou as sobrancelhas formando muitas ondas na testa. — Avisei, avisei... César foi saindo e, então, chamou-o. — César, caso encontre Diego lhe dê um soco para quebrar os destes daquele filho da puta – disse sob os olhares abismados de ambos. — Suna! – repreendeu Marcel. — Nem se preocupe, Suna. Assim é que se fala... – César deu uma pequena piscada, tocou seu ombro e saiu. ⁘ O tempo se arrastava em descompasso com a ansiedade. Queria que os minutos tivessem asas. Olhou o relógio e mais uma hora havia passado naquela madrugada de quinta-feira, esperando por notícias de Max. Os olhos já estavam inchados e o corpo dolorido, ainda assim, só sairia dali ao vê-lo. Dulce, Maya e Marcel continuavam firmes ao seu lado, entre cafés e lanches de máquina, mas ela não conseguia consumir nada. Finalmente, Paulo Sarmento veio até eles e teve a impressão que o coração seria expelido pela boca de medo e ansiedade. Levantaram-se das desconfortáveis cadeiras e ficaram ao redor do médico. — ... Max perdeu muito sangue – começou o médico. — ... mas resistiu bem a cirurgia. Os prognósticos são bons. Apenas o fígado foi atingido e nenhuma artéria importante do órgão foi danificada. Não houve perfuração do intestino ou outro órgão, conforme se temia. O fígado foi revascularizado e uma parte extirpada, mas ele cresce de novo... – um tsunami de alívio percorria a corpo, atenuando o peso da situação enquanto Paulo continuava. — ... ele teve uma concussão na cabeça, um pequeno traumatismo, mas nada muito sério. A mão passará por uma reavaliação ortopédica amanhã... Ele foi colocado em coma, para o conforto dele, pois chegou aqui em choque e tomou duas bolsas de sangue. O maior risco agora é uma infecção ou o organismo não reagir bem ao trauma sofrido. — Queria vê-lo – pediu. — Infelizmente, ele ainda está instável e só poderá receber visitas amanhã à tarde. Vão pra casa. Retornem no horário de visitas da UTI. Ele está sendo bem cuidado – garantia Sarmento. — Tenho muita fé de que vai ficar tudo bem... E, olha, médico não diz isso para família de paciente, mas vocês são amigos. — Graças a Deus, meu pai... – abraçou Marcel e não conteve as lágrimas. Eles agradeceram a Paulo Sarmento. O semblante de todos era de alívio. Dulce chorava abraçada a Maya. Marcel também não conseguia esconder a emoção, com os músculos da face contraídos e os olhos vermelhos e empapados. — Max é um grande irmão. Fico imaginando a felicidade dele ao saber que está grávida, Suna... e ele sonhava com isso, contava pra mim sobre ter os filhos de vocês nos braços. Dizia que eu iria ser tio – o irmão confessava com a voz quase roubada pela emoção. — Eu sei, eu sei... – confirmava. — Ele tem as loucuras dele, mas te ama demais, minha irmã, demais. É um tipo de amor que nunca vi na vida, acima da média de qualquer homem apaixonado. As palavras de Marcel a comoveram. — Também o amo muito. Agora aceito ele do jeito que é, como ele é, não quero que mude em nada. O irmão beijou sua cabeça e foram seguindo para saída. Amanheceria em pouco tempo. Da mesma forma que a noite aguardava o dia, esperaria pelo momento de retornar para cuidar de seu amor. Não mais importava as fidelizadas que ele havia carregado em seu passado, ou seu jeito esquisito e arrojado de fazer amor. Aceitava o fardo dele qualquer que fosse e o dividiria com ele, sob controle, dentro de conversas e acordos. Não precisaria provar para ninguém que era autossuficiente. Não que fosse abrir mão de seu trabalho, mas a prioridade estava agora na recuperação de seu marido e o avançar saudável daquela gestação. As coisas mais importantes no mundo eram a vida e o amor. E os tinha. Era uma felizarda e abençoada por Deus. ⁘ Suna voltava ao Hospital São Mateus para visitar Max. Tinha descansado um pouco. Marcel iria encontrá-la lá. Havia recebido dezenas de ligações e mensagens de colegas de Max e até de pacientes em busca de notícias. Fizera rodízio com Maya e Dulce para atender tantas pessoas ao telefone. Também avisara a Maria Alice Maximo, a mãe de Max que vivia em São Paulo, sobre o ocorrido e ela estaria chegando a qualquer momento. O pessoal do Santo Antonio, hospital onde Max era voluntário, estava fazendo correntes de orações pelo restabelecimento dele; representantes de instituições de caridade que ele ajudava também se manifestaram com mensagens desejando a sua recuperação. Nunca havia imaginado que Max fosse tão querido pela cidade. Notas na imprensa reportando sobre o sequestro tinham sido publicadas, mas pedira que Marcel lidasse com os jornalistas. Não queria ler aquelas notícias, o que estava vivendo já era bastante. Entrou no hospital ansiosa. Queria falar-lhe do amor que nutria por ele, que era o sentimento mais forte e importante que já havia sentido. Não se recordava de ter declarado o seu amor com o tamanho e medida que ele merecia escutar. Não se lembrava de ter dito que o amava mais do que tudo em sua vida. E precisava fazer aquilo. Precisava explodir em palavras, após a possibilidade de nunca poder dizer tudo que trancava no coração. A verdade, era que, antes do sequestro, tinha receio de que algo saísse errado, que Max desistisse ou se cansasse dela. Aquele era um medo sutil, não-consciente, mas que sempre a estava sabotando e a rondando, de modo traiçoeiro. Supunha que quase todas as mulheres fossem vítimas desses tipos de sentimentos, que só atrapalhavam a vivência e a chegada a uma relação plena. Enfim, não queria mais muros e nem fronteiras emocionais entre ela e Max. Avançaria sem medo em benefício de sua família, como também, em busca da satisfação íntima, do prazer sexual intenso, inteiro e absoluto. Não importavam os custos desde que fosse capaz de pagá-los, sem se sentir oprimida ou abusada. O que a sociedade pensava como certo ou errado, doente ou sadio não fazia mais diferença. Viveria a sua perspectiva do que fosse saudável. Estava decidida. Encontrou seu irmão, que a abraçou. — Só uma pessoa pode entrar. Ele está em coma ainda... — Ainda? — São vinte e quatro horas. Amanhã vão diminuir a sedação. Mas me falaram que o que disser, ele pode escutar. Vamos lá, até a UTI. De repente, os olhos marejavam, molhados de emoção. Tinha tanto a dizer para ele! Entrou na ala das UTIs, fez a higiene das mãos, conforme orientação, e vestiu um roupão branco descartável. Andou devagar até o leito sete. Teve vontade desabar quando o viu entubado, de olhos semicerrados, com o peito cheio de fios, uma cicatriz enorme no meio da barriga, a cabeça meio raspada devido às suturas e os braços com acessos. A enfermeira segurou seu ombro e a conduziu até Max. Ela pediu que levasse itens de higiene e saiu, deixando-os a sós, naquele ambiente gelado, em que o som baixo dos aparelhos de monitoramentos davam o tom daquela marcha pela vida. O nariz de Max estava inchado, as pálpebras arroxeadas e a mão esquerda enfaixada. Mirou-o por longos segundos, com tantos ferimentos, parecia que tinha sido atropelado. Pela primeira vez, via-o numa situação de vulnerabilidade. Aproximou-se devagar e acariciou a bochecha dele. Só um monstro seria capaz de causar tamanho estrago em uma pessoa, como ele, tão querida e que só praticava o bem. Segurou sua mão direita e apertou levemente, com receio de machucar. — Max, meu amor, sou eu, Suna – por mais que tenha tentado controlarse, a voz saiu embargada. — Desculpe por não estar sendo forte agora, mas temi por você. Na verdade, nós tememos, eu e nosso bebê. Mas agora, com você aqui, temos certeza que vai abrir os olhos, vamos voltar para casa e seremos uma família feliz. Uma família feliz e um casal pleno, ao nosso modo... – com a mão livre, passou levemente os dedos no antebraço e depois subiu acariciando a pele que tanto venerava até o rosto macerado. — Quero que saiba que te amo muito. Te amo demais, nem sei mensurar... te amo, Max, do tamanho do mundo e muito mais. Te amo da mesma quantidade de estrelas infinitas que não se pode contar, te amo de um jeito que extrapola o tempo... te amo nessa vida e te amarei em outras vidas, quantas delas vierem. Tenho certeza que te esperei em meu passado, sem saber que era você a quem eu sonhava em ter como meu homem, amante, marido e parceiro... Por alguns segundos, parou para recuperar o fôlego. Estava muito emocionada. Sentiu um leve aperto em sua mão. Surpreendeu-se, mas não sabia se era ele ou uma impressão sua. Também apertou mais um pouco de volta, como se fosse um sinal. — Amor, é meu marido lindo, te amo como uma poesia, com forma e conteúdo magníficos, capazes de declamar a dor do amor e a alegria do sofrer. Enfim, senhor Vicente Max, todo meu amor é teu, toda a minha vida é tua e dedicada a ti. Prometo que essas não serão apenas palavras. Sou realmente tua, pertenço a você, do jeito que gosta de ter, do jeito que sempre quis me ter, sou tua submissa, você é meu dono se quiser. Sou tua caça conquistada e tua presa... Sou tua e, eternamente, só tua. Minha pele, meu corpo, cada centímetro de mim te pertence – apertou um pouco a mão dele. Percebeu as órbitas dos olhos dele mexerem. — Meu amor por você é sem limites, sem freios, sem rodeios, sem fronteiras. É território livre e teu... Expirou um pouco trêmula, quase em um suspiro final, por outro lado, sentia-se leve pelas palavras ditas. De algum modo, o subconsciente dele devia estar escutando. Se não se recordasse, não tinha problemas, repetiria tudo outra vez. — Ah! Lembrei-me de algo. Nem sei se pode aqui, acho que não. Mas vou fazer essa leve transgressão – falou para ele. Apanhou seu celular e ligou no áudio do coração do bebê, aproximando do ouvido dele. — É o coraçãozinho de nosso neném batendo, meu amor. Escuta que lindo. Ele está bem e crescendo dentro de mim, nosso filho, o resultado de nosso amor... Observou os olhos dele mexerem de novo e sentiu um novo aperto na mão. Depois, para sua surpresa, duas lágrimas desceram solitárias, uma de cada olho de Max. Não se aguentou e outras desceram de seu rosto também. — Nossa, Max, você está me emocionando... – confessou num fiapo de voz. — Amor, estou te sentindo. Ah! Na segunda-feira, sai o resultado do exame de sexagem e vamos saber se teremos um menino ou uma menina. Até lá, quero você de olhinhos bem abertos, viu. – sorriu. Resolveu que era melhor manter-se mais empolgada. Falou da mãe dele que estava chegando e acerca das inúmeras mensagens buscando notícias de sua saúde e sobre a torcida de tanta gente que por sua recuperação. Ficou lá em seu monólogo de boas palavras até que a enfermeira veio buscá-la. Encontrou o irmão e só então fitou a sogra que a cobriu de perguntas, além de reprimi-la por não ter comunicado o sequestro à família Maximo assim que ocorrera. Suportou tudo em nome do seu amor, afinal, nem o filho a aguentava. Depois que Maria Alice Maximo se acalmou, revelou sobre a gravidez e ela, como se não tivesse sido descortês, deu-lhe um forte abraço. No segundo dia, Max ainda estava sonolento apesar de não estar entubado. Não pôde demorar porque a mãe dele havia entrado primeiro e praticamente esgotara o tempo da visita. Enfureceu-se, contudo, nada disse. Era mais um dia que retornava para casa, com o coração carregado de esperanças de que ele iria acordar logo. Nesse ínterim, Marcel lhe contara que Diego havia sido preso, junto com os comparsas que participaram do sequestro de Max. Ele ainda confidenciara que César tinha dado um soco em Diego e que esse perdera alguns dentes da frente. Pela primeira vez na vida, achara graça de um infortúnio alheio. Finalmente, encontrou Max acordado na UTI quando se preparava para ir para o quarto. As enfermeiras tinham feito a barba e o inchaço do rosto havia melhorado um pouco. Quando a fitou ao longe, ele a presentou com o sorriso mais lindo que já vira. Deram um rápido beijinho. Nem tenho palavras... Graças a Deus que está bem! disse emocionada. Pensou que eu fosse morrer? indagou ele animado.Max, nunca sofri tanto em minha vida... confessava. Não vai ser dessa vez que ficará viúva. Venha cá, deixa eu sentir essa barriga... Achou graça. Aproximou-se de onde estava a mão sã dele, que afagou seu abdome duro, próprio das gestantes. Deram as mãos. Não tem ideia como estou feliz em estar aqui contigo – disse. O olhar dele se perdeu ao longe e, de repente, as feições ficaram turvas. Tive muito medo, Suna. Em alguns momentos, achei que não fosse conseguir... nunca imaginei que Diego, que aquele invejoso, fosse tão escroto e mau caráter. Já está preso... Soube. Marcel e César estão entrando aqui, hein? indagou e ele lhe sorriu. Foi só hoje que afrouxaram minhas visitas... Então, dona Suna está pronta para me aguentar pelo resto de sua vida? Mas do que pronta... E trate logo de ficar bom, porque os proclames do casamento já foram publicados. Não quero casar de barrigão. Max gargalhou de bom humor, mas ainda sentindo dores. Nem se preocupe, minha senhora. Assino com a mão direita e logo que tiver alta, casaremos em definitivo e não tem mais brigas ou lamentações para nos separar, estou logo avisando – ele a fitou sério. Vai ter que me aturar... e mudou o tom de voz.Agora vem aqui e me dá um beijo de verdade. Aqui? Mas não pode... Não fiz o enfermeiro esfolar meus dentes na escovação a troco de nada, vem aqui e agora – exigiu ele. Flexionou o torso e o beijou, permitindo que suas línguas roçassem uma na outra, dando leves sugadas na dele, com receio de ser repreendida, porém Max puxou seu pescoço com a mão boa, mesmo com acessos, deixando-a quase sem fôlego, num beijo úmido e escorregando na saudade mútua que transitava entre eles...Hum hum... escutou alguém limpar a garganta. Doutor Vicente, seu acesso vai entupir – quase deu um grito e acabou saltitando de assustada. Rapidamente, Max flexionou as pernas, disfarçando a ereção que pressionava o lençol. A enfermeira os pegou no flagra. Ele riu.O senhor nunca admitiria isso num paciente seu. Sabe que não pode. Desculpe, querida, precisava saber se estava realmente vivo – disse cínico fitando a enfermeira e depois mirando-a de soslaio. Vamos lá, me levem logo para o quarto... não aguento mais essa UTI – pedia ele enquanto ela ainda não tinha se recuperado daquele constrangimento.
CAPITULOS 34
AS TRES LETRAS
Vicente Max era um homem forte. Havia retornado para casa após doze dias do sequestro. A sua mãe retornara para São Paulo, durante a primeira semana de recuperação, para o seu alívio. Tinha muito para ele lidar e a presença da mãe não estava ajudando, com preocupações supérfluas e fora do contexto. O mar de tormentas – escuro e revolto – que ele havia enfrentado desestabilizara suas bases. Agora era tempo de lutas e retomada do prumo e do leme de sua vida para se estabelecer num belo lugar ao sol. E, graças ao bom Deus, as funções hepáticas estavam dentro do esperado. Recuperava-se sem intercorrências. Teve medo de ficar com sequelas que o impedissem de trabalhar como cirurgião, mas os especialistas garantiram que ele recuperaria os movimentos da mão esquerda por completo e estava enfrentando uma rotina pesada de sessões de fisioterapia. Aquela notícia deu mais firmeza ao seu chão em busca de estabilidade. Inquieto, a orientação inicial de repouso absoluto tornara difícil a vida de Suna, como sua cuidadora. Por mais de uma vez, ela havia reclamado sobre o quanto era difícil fazer um médico obedecer às recomendações médicas. A verdade era que Diego não havia tirado a sua vida porque não quisera e aquilo era duro para ele. Depois de todas as maldades do ex-parceiro, daquela inveja doente alimentada ano a ano, sem que desconfiasse, no fim ainda ficara à mercê da vontade daquele psicopata. Ao repensar, pela enésima vez, como fora agredido, concluía que Diego tinha escolhido o lugar em que o atingiria no abdome de forma planejada, para que morresse aos poucos. Ele era um demônio e esperava que apodrecesse na cadeia, junto a Dante. Mas sabia como era a Justiça no país e nunca mais facilitaria com a sua segurança, nem com a de sua família. De todo modo, contrataria bons criminalistas para mantê-lo preso no período mais longevo possível. Balançou a cabeça. Enquanto aguardava Suna, precisava pensar em coisas boas e a melhor delas era que June nasceria em janeiro. Sim, teriam uma menininha e decidiram que se chamaria June. Por enquanto, teria duas mulheres em sua vida. Ao pensar nisso, deu um leve sorriso. Havia planejado o quarto da filha e as mudanças necessárias no apartamento, junto com Suna e a arquiteta contratada. Combinara com esposa que continuariam morando no apartamento até que fossem concluídas as obras da casa que ergueria para a família, num terreno que já havia adquirido. Parte dos dias em que ficara de repouso, acamado, tinha sido na companhia da esposa, imaginando que mulher June seria, se alta como ele, ou mais parecida com a mãe, com um biotipo magro e rostinho de boneca. Curiosos, tentavam construir uma imagem mental sobre a filha, mesmo conscientes de que o importante era fazê-la uma criança feliz e prepará-la para se tornar uma adulta decente e correta. Havia desejado muito aquela gravidez, aliás, desde que se apaixonara por Suna, passou a sonhar com uma vida a dois, filhos, companhia, amizade, cumplicidade e, claro, sexo. Enfim, quando pensava na filha que iria nascer da mulher de sua vida, parecia dentro de um conto de fadas. Era um suspiro de felicidade após os conturbados momentos que atravessaram, não só pelo sequestro, mas por toda a história deles. Reconheciam que a etapa inicial e conturbada chegava ao fim e uma nova narrativa seria escrita por eles. Além disso, o tempo livre, durante a recuperação, era um convite a desfrutar de Suna. Estava trazendo-a no limite, fazendo amor com mais constância do que deveriam, por ela ter saído do primeiro trimestre de gestação e ele, recuperando-se da extensa cirurgia, cuja incisão ainda lhe doía. Com frequência, a pressionava contra ele, explorando as partes úmidas entre as pernas, com a mão sã. Assim que se sentira mais disposto, passaram a trocar muitos beijos íntimos, carícias ousadas e chupões devassos. Só evitava penetrações bruscas, mesmo sabendo que não havia problema de fazê-las, pois a placenta estava bem assentada no útero e a gestação seguia tranquila. Suna era a grávida mais linda que já tinha visto, com a barriguinha saltitante, os seios cheios e os mamilos mais salientes do que o normal. E quanto mais avançava a gestação, aumentava o tesão por ela, talvez, por estar mais frágil e parecer impotente. Tinha que segurar os instintos e, para isso, já havia retomado a psicoterapia, pois precisava viver aquele amor, a família e o casamento de modo seguro. Suna era um bálsamo à dor, um alívio às tormentas. Era o seu sol, o porto para onde sempre retornaria e o laço mais forte no mundo, junto com a sua June. E, naquela sexta-feira, após um pouco mais de quarenta dias do sequestro, finalmente, acontecia o casamento. Era o dia do "sim" real, do casamento de verdade, o dia em que forjariam novos elos no metal mais forte que existisse, tornando-os ainda mais unidos e cúmplices e quando ela passaria a se chamar Suna Ferraz Maximo. Estava tenso. Escolhera um terno marinho e camisa branca que comprara para aquele dia especial. Havia se barbeado e cortado os cabelos no estilo low fade, bem diferente dos cortes em longas camadas que usava há anos. Queria apresentar-se bem a Suna. Havia cuidado quase sozinho da pequena cerimônia, tomando a maior parte das decisões, afinal, o primeiro casamento tinha ficado por total responsabilidade dela e queria deixar a sua marca, demonstrar o seu afeto e respeito pelo casal que eles formavam. A única coisa que exigira de Suna era que estivesse linda. Agora aguardava que ela descesse. A cerimônia acontecia na área de festa do prédio. Contratara a mesma empresa da primeira festa para preparar o espaço. Mas, daquela vez, só havia convidado pessoas íntimas e que realmente torciam por eles. Suna pensava que seria apenas o casamento no civil, mas havia conseguido que o pastor, que dera a bênção na união de fachada, celebrasse o casamento religioso naquela noite. Sim, a noite seria completa e a lua de mel, quente. Pedira que a ornamentação fosse de rosas brancas e vermelhas, as preferidas de Suna. Seria servido um pequeno bufê para os amigos. Observou ao redor outra vez e o ambiente estava lindo. No altar, o pastor os aguardava com um sorriso no rosto, afinal tinha dado uma polpuda contribuição às obras da igreja em que ele pregava. Avistou alguns amigos de profissão, entre eles, Paulo e Sonia Sarmento e do voluntariado do Hospital Santo Antonio. Dulce estava radiante ao lado do filho, Dona Fátima e Dona Bené, mãe e avó de Suna, pareciam animadas, como também Beatriz, José Kirin e o filho deles, Pedro. Um pouco atrás, via César enlaçado a Elisa. Propusera a presença de Beatriz e da ex-fidelizada, com seus parceiros, e, para sua surpresa, Suna concordara com um semblante suave e terno. Também foram convidados os amigos dela da época do Maresia, outras duas amigas e o pessoal da confeitaria Doces Amores. Dentre aquele grupo, sentados, aguardando o início da cerimônia, destacavam-se Maya e, ao seu lado, Bruno. No intuito de deixar o passado para trás, fez questão da presença do engenheiro. Também vislumbrou Otavia Bittencourt, sua amiga de longas datas, que estava de volta à cidade, engatando uma conversa animada com o anestesista do Santo Antonio. Observou Marcel desaparecer ao fundo da passagem decorada por rosas e folhagens. Um arrepio subiu a coluna, Suna já iria chegar. Queria que o cunhado também se apaixonasse. Ele e Maya tinham rompido e parecia ser definitivo. Já previa que aquele relacionamento não iria adiante, pois Marcel era fechado e não se permitia entregar o coração a nenhuma mulher, chegava a considerar uma fraqueza. Mulheres, para ele, sempre tinham sido sinônimo de sexo e companhia para algumas saídas. E, por outro lado, Maya era uma mulher alfa, dominante, que não se conformaria com esse papel mínimo que o cunhado oferecia na vida dele. Max tinha contratado a mesma pianista da primeira união. Naquele instante, ela começou a tocar a música A Thousand Years. Todos ficaram de pé. Suna surgiu no ambiente conduzida pelo irmão. Os olhos do casal se conectaram, brilhando como faróis ao mar, sinalizando um ao outro. As notas musicais pareciam entrar pela pele e os convidados poderiam ter evaporado, que eles não se abalariam. Ambos estavam emocionados e, pelo olhar, enlaçavam-se numa dança simbólica, numa troca de cumplicidades que só eles entendiam. Encantadora, Suna caminhava em direção a Max de forma definitiva, iria tornar-se sua esposa no papel e aos olhos do Criador, reafirmando o compromisso de almas de um com o outro. O coração de Max transbordava de alegria. Os olhos marejavam e a felicidade irradiava do peito, como uma aura a extravasar os limites do corpo. Suna emanava beleza, elegância e simplicidade num vestido branco, longo de um ombro só, que o fez lembrar-se das deusas gregas, com um buquê branco e vermelho entre as mãos. Os cabelos castanhos estavam presos num meiorabo, ornado de pequeninas flores brancas e nos lábios, um batom vermelho a iluminava. Suna vinha, passo a passo, com June em seu ventre, para o encontro final, o momento que oficializariam o que já existia entre eles, afinal, eram uma só unidade, forjada na amálgama mais sólida capaz de unir um homem e uma mulher, o amor. Cumprimentou Marcel e a recebeu com um beijo na testa.Olha quem veio celebrar o nosso casamento?cochichou observando o pastor enquanto Marcel tomava seu lugar de padrinho ao lado de Dulce. Os outros padrinhos eram Paulo e Sonia Sarmento. Não imaginava... você é demais – murmurou ela surpresa, com os olhos marejados e lhe sorriu, fazendo com que uma energia percorresse a pele, espalhando-se pelo corpo, dando a impressão de que o estômago flutuava de tanta emoção. Amei o novo visual, os cabelos... elogiou ela. Está linda, Suna, parece uma deusa, mãe de June... afagou sua barriga, disfarçada nas dobras do tecido. Voltaram-se ao pastor que começou a celebração e contagiou a todos com uma pregação sobre o amor, ao recordar-se da bênção anterior, a união estável que eles haviam firmado. O ritual religioso se encaminhava para o fim quando começou o momento da troca de votos. Era a hora do sim, daquelas três letras simples e que significavam as responsabilidades e compromissos de um com o outro. Comoveu-se, como se passasse na mente, em alguns segundos, o filme da história deles, uma abordagem sobre as suas mentiras superadas por ela; do amor inicialmente combatido e do fim necessário para um recomeço mais forte. A verdade era que Suna o tornara um ser humano melhor, menos egoísta e bem menos intransigente. No final, na hora de trocar alianças, recordou-se de que havia mandado fundir as antigas, aumentando os quilates do ouro, e gravar, nas partes internas das alianças de design clássico, frases que cada um havia escolhido previamente e escondido um do outro. Tinha mando gravar na aliança dela "te amarei por todas as minhas vidas". E, naquele momento, em que ela apanhava a aliança para colocar no seu dedo anelar esquerdo da mão ainda doente, segurou-a ligeiro para, então, ler: "Tua, eternamente tua". Era a frase dela para ele. Recebeu a aliança em seu dedo e não aguentou. Logo ele, sempre durão, deixou deslizar pelas bochechas, duas lágrimas de profunda alegria. Suna leu a mensagem que mandara lapidar para ela e lhe sorriu com os músculos da região dos lábios tensionados, numa tentativa de esconder a emoção. Puxou-a em seus braços e lhe deu um beijo suave enquanto tocava a canção no piano Your Song, de Elton John. Quero que saiba que me recordo de tudo que disse quando eu estava em coma na UTI. E se me recuperei bem e estamos aqui hoje, é por você, nossa bebê e toda a força e amor que me transferiu naquele dia. Vocês são os motivos que tenho para viver e você, Suna, é maior deles. Hoje te amo mais do que ontem e te amarei mais ainda no futuro – murmurou com a voz carregada de sentimentos. Estou tão emocionada que não consigo falar, resumindo, não há vida sem você, Max. Beijou-a novamente, mas de forma ardorosa, sem se preocupar com os assobios e os gracejos dos amigos presentes. Seguiriam por novos rumos, sem paredões ou muros, andariam em terreno planos, mas ele tinha consciência que montanhas os desafiariam e despenhadeiros surgiriam, querendo interromper a caminhada de ambos. Ainda assim, caminhariam unidos, enfrentando as intempéries e vencendo as dificuldades, porque o amor verdadeiro tudo pode e a tudo conquista. Iriam cultivar e colher juntos, iriam renovar-se a cada semeadura, pois o amor cultivado e respeitado, ao longo da jornada da vida, perpetuava-se por toda uma eternidade.
Fim
Lindo ,lindo demais!!
ResponderExcluirParabéns
😍
ResponderExcluirAmei que conto lindoooo
ResponderExcluirApaixonada por esse conto
ResponderExcluirAdorei ♥️
ResponderExcluirLindo demais 👏🏼😍
ResponderExcluirQue fofo
ResponderExcluirAmei!! Já quero outros🥰
ResponderExcluirQue final maravilhoso, perfeito.
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